terça-feira, 13 de junho de 2023



                        a carne esquece



Quem trai, não trai por acaso.

Quando o amor acaba, qualquer pretexto serve.

A carne esquece das venturas e prazeres.

Quando o mudo entendimento passa da hora, o sopesar

da espera tece o momento da justificada desforra.



 






                 litania





Eu te perdoo, Senhor, por ter me criado desse jeito.

Por eu não entender a vida, não fazer nada direito.


Eu te perdoo, Senhor, por ter feito tudo tão complicado.

Por misturar o certo e o errado, o amaldiçoado e o louvado,

pelo bando de crápulas que fala em teu nome.


Eu te perdoo, Senhor, por não ter nascido melhor dotado.

Por tantas vezes ter acreditado e me ferrado. 

Por não ter conseguido o que mais queria.


Eu te perdoo, Senhor, pelos sonhos desfeitos, 

pelas preces não atendidas.

Pelos dias de angústia, pelas perdas e renúncias,

por tudo que a vida me levou e sonegou.


Eu te perdoo, Senhor, pela carne fraca e a pouca fé.

Pelo milagre que não veio.

Pela sorte que me faltou em momentos cruciais.

Por tudo te perdoo, Senhor.

Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo,

Amém. 







 

domingo, 11 de junho de 2023


            o outro que não fui

                



 


Sou grato por tudo que tive e não vingou. 

Sou grato por tudo que perdi, pelo que deixou de ser, 

por tudo que me permitiu ser o que sou.

Chegar onde cheguei sem me desmerecer.


Sou grato pelos males que me fizeram, 

pelas injustiças, provações, por tudo que fez a vida

valer a pena.

Sou grato a solidão iluminada, aos enredos que não entendi,

por aquilo que esqueci,

pelos desacordos e segredos pactos. 

Pelo nada que tive e reparti.

Pelos entardeceres que não vi, aos afetos que não valeram, 

as causas perdidas, por tudo sou grato.


Sou grato aos conflitos da culpa, as apreensões, incertezas.

Sou grato aos caminhos errados, ao inconformismo cruel,

ao desencanto do amor, ao fogo-fátuo da paixão.

Sou grato ao lado de mim que já morreu.

O outro que não fui.





                            a tarde de um homem





No começo ele sonhava com cegas e estranhamente

jubilosas venturas.

No decorrer dos anos, viu tudo esvair-se

diante de balaustradas e portas que não conseguia abrir. 

Quando se deu conta, a tarde que é a tarde de um homem

se converteu em moldura.

E ao despedir-se de tudo que lhe era mais caro,

resignou-se em ser algo assim como um animal cansado

em sua toca,

que só não pode descansar.




sexta-feira, 9 de junho de 2023



                  a arte de viver



Viva tudo o que puder, enquanto puder.

Nada mais triste do que chegar a velhice

e concluir que viveu uma vida de merda.

Aproveite, explore, curta, de preferência sem perder

o bom senso. Loucuras, só ad hoc.

Estude, trabalhe, pois nada vem de mão beijada. Nada

que tenha valor.

Seja correto, baseie-se pelo certo, mas não seja refém

dos sentimentos.

Lembre-se, o caminho não é só para ser percorrido, 

mas contemplado.

Cuidado com os extremos, deguste todos os sabores

mas não morra pela boca.

Celebre o prazer mas priorize a qualidade de vida.

Seja bom sem ser tolo.

Abdica de entender, em prol da arte de viver.







 




 



quinta-feira, 8 de junho de 2023


                             luz e escuridão




Um gato preto dança na chuva,

enquanto as nuvens se despedaçam.

O vento sussurra segredos

que só os loucos entendem.


O relógio derrete no pulso

em meio aos dias que se desfazem em fumaça.

O tempo passa como borboletas

quem voam para longe, sem olhar para trás.


A cidade é um labirinto sem fim

onde as ruas se transformam em espelhos

e os prédios são monstros adormecidos

que acordam no meio da noite.


O sol é uma laranja flamejante.

Que queima a pele e cega os olhos.

A lua é um farol misterioso

que ilumina a terra com sua luz prateada.


A floresta é um oceano de sombras

onde as árvores sussurram segredos antigos

e os animais são espíritos livres

que dançam ao redor da fogueira da vida.


No jardim dos sonhos perdidos,

as realidades de cada um se antagonizam,

como luz e escuridão.






quarta-feira, 7 de junho de 2023

 



refúgio de uma alma cansada


Nas asas da imaginação me lanço

Na sutileza das palavras me enlaço

Sopra o espírito com língua bendita

Os versos que meu coração dita.


Crio paisagens e emoções que se entrelaçam

Numa teia mágica que minh'alma abraça

Suscitando os ritos misericordiosos

Que atravessam noites e alvores.


São suspiros de amor e saudade

Revelados em cada estrofe humilde

Os versos fluem como um rio sem fim

Transportando-me para além de mim.


Nas entrelinhas desvendo segredos

Ecos de histórias e seus enredos

Palavras que em mim se digladiam

Como ardentes desejos que se irradiam.


A poesia é a voz da minha alma

Refúgio de uma alma cansada.

Bálsamo que acalenta o pensamento

Na dança eterna do tempo.


Em cada verso me abro

Em cada verso me entrego

Em cada verso me perco de mim

Por que Deus me fez assim ?





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