segunda-feira, 21 de agosto de 2023

                                

                                              o ápice da história 

                    ( ou o buraco é um pouco mais embaixo )




A grande aldeia global de McLuhan se estreita,

se transporta instantaneamente.

Invade lares, pátrias, ignora fronteiras,

alheia a contrastes e discrepâncias nunca vistos.

O planeta evolui involuindo.

O mundo se interconecta

se evolando

se eximindo

cohabitando sub-mundos, paraísos artificiais.

Morticínios e genocídios banalizados nos breaking news,

enquanto a distinta plateia se deleita com o show business.

Astros do ludopédio monopolizando multidões, faturando

milhões, inevitável não pensar nos bilhões

que sofrem toda sorte de privações, 

mas o mundo

nunca primou por ser justo, muito menos...humano.


A grande aldeia global apenas ampliou a desigualdade.

A violência e a criminalidade ganharam novos contornos,

golpistas se multiplicaram, incautos é que não faltam.

O mundo agoniza sob a pantomina de sempre. 

A Ucrânia é dizimada, a terceira - e apocalíptica - 

terceira guerra mundial se avizinha, mas todos

agem como se nada estivesse acontecendo.

Só se ligam no futebol,

no besteirol que grassa nas redes sociais,

nas putarias on line.

Ninguém tem as mãos limpas, o homem engana 

o homem, conquanto a vida engana a vida.

É tempo de frágeis afetos e compromissos inconclusos,

escandidos em bélica paciência.

O sangue fresco de novas auroras flui além dos enganos.

A secular injustiça não se resolve.

Nada além da tola presunção de vivermos

o ápice da história.

  





 




 





sábado, 19 de agosto de 2023



                    o correlato e o aludido






entre o canto e o bailado

entre o frio e o molhado

entre o livre e o amarrado

entre o liso e o escarpado

entre o aclamado e o coibido

entre o caiado e o carpido

entre o contido e o exibido

entre o inocente e o condenado

entre o roubo e o delegado

entre o rico e o pé rapado

entre o rejeitado e o anuído. 

entre o amigado e o casado

entre o achavascado e o mal-ajambrado. 

entre o manco e o sarado

entre o asseado e o puído

entre o acalorado e o abrochado 

entre o novo e o remendado

entre o vestido e o pelado

entre o coroinha e o prelado

entre Leblon e o Corcovado

entre o cupido e o pecado

entre o amado e o odiado

entre o loquaz e o calado

entre o lindo e o esfarrapado

entre o opaco e o iluminado

entre o folgado e o apertado

entre o inocente e o condenado

entre o libertino e o abnegado

entre o limbo e o sombreado

entre o perdido e o achado

entre o gremista e o colorado

entre o alvoroço e o estagnado

entre o encurralado e o afrescalhado

entre o chanfrado e o bitolado

entre o criado e o crismado

entre o catado e o cavoucado

entre o coitado e o azarado

entre o azedo e o ardido

entre o brado e o alarido

entre o surdo e o mudo

entre o arcano e o bardo

entre o abortado e o cagado

entre o evadido e o ungido

entre o certo e o errado

o correlato e o aludido

estão sempre mudando de lado.



 


 



 













                 a vida de concreto



O concreto empareda o abstrato, congela os sentidos.

Paredes de concreto abraçam carências severinas.

A vida de concreto come a fome.

Deixa-se habitar em cova grande.

Predisposta às litanias infames, em ventres lascivos. 

Algoz de silenciosos martírios.

O gozo das orgias manufaturadas vagam no tempo gelado.

Ríctus de medo se cumprem com vagar, sob arquiteturas 

que se fundem.

Com vagar, Deus e o mundo conjecturam cláusulas 

humilhantes.

O dissolver de brasões suga a memória espandongada

de revolta.

O concreto cala o silêncio, nutre o amor com coreografias 

obscenas.

Os fatos calam-se em minuciosas certezas.

Para continuar, é preciso conhecer o caminho que conduz

às altas torres de inumeráveis fábulas.

Calam-se as certezas, as palavras ferinas e duras.

Luzes obscuras se multiplicam.

Exéquias cobrem a nudez do amor.

Paredes de concreto bebem o fel entre cantos e ascos. 







  

quinta-feira, 17 de agosto de 2023



               meu ser me bole




Meu ser me bole.

Ora se fecha, ora se abre.

Entre dias humanamente cinzentos

e o sereno gosto de viver.


Sou como sou, sem mais nem menos.

Nada me falta, além do que perdi.

O que eu tinha, sem saber.

A ilusão de ser feliz.


Meu ser me bole.

Já não estranha nem renega 

o apego ao remanso, 

o gosto pela solidão macia

à espera de um fim tranquilo.





                           a fadiga da vida



Inocentes

Porque assim nasceram

Em graciosa desdita ou firme sortilégio

Talhados em imperfeitas etimologias

Sob o tribuno das conveniências

A violência harmônica do mundo engendra

pequenos apocalipses

A desrazão e o desespero demarcam a condição humana

O bem viver prescinde de referendos que sangram

O amor há que se armar

O tempo para tanto é escasso

Os corpos reivindicam a primazia das indecências

Vêm bater em longas fagulhas, exalando feéricos furores

Luzes de braseiros acossados por loucas ternuras

batem à porta em noites infelizes.

O frenesi dos sentimentos nunca está sozinho.

Planos destruídos, desejos corrompidos desovam queixumes

moribundos.

À força, as duas pontas do tempo retomam o cortejo

ancestral do recomeço.


"A vida se consome na fadiga sem saída" (O Homem Restolhado/

Gaston Miron)







 







                     o canto do sabiá





                            foto Ivan Berger


um canto canoro 

no espesso arvoredo

salta de galho em galho

executado à base da goela

dispensa palavras e maestro

em afinado solfejo

ecoa em espirais

ilesa solitude

na mais plena

inocência e virtude

nem Bach conseguiu imitar

o canto do sabiá.





                         spirit de porks



O drama está para a tragédia como a farsa para a comédia.


          Ladrão que é ladrão,

          de profissão,

          não escolhe ocasião.


Há quem diga que o amor

é um estado de espírito.

Spirit de porks.


             O desejo obscuro

          gosta do escuro. 


Essas moças quase nuas

podem ser tudo.

Menos tuas...


            

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