sexta-feira, 5 de julho de 2024



                                                    a beleza nunca morre





o que fazer das certezas que hoje

já não tenho ? 

o que fazer com tudo em que acreditava,

e que agora jaz em sono macio e terrível ?

onde foram parar os sonhos, a beleza crismada

da juventude extraviada ?

qual o destino do que já não é eterno ?


são tantas perguntas sem respostas

que aos poucos todos se igualam na desdita.

até os mais fortes se ajoelham

ante a maldição perene das desgraças.

só há paz na solidão dos cemitérios.

só há paz na libertação dos efêmeros prazeres.

só há paz nas coisas mais simples.

como toda matéria em movimento, 

a beleza nunca morre, apenas se esconde,

se transmuta.

os dias escuros iluminam os espíritos atormentados,

para que a fraqueza se transforme em heroísmo.

para que a monotonia atroz dos dias que não passam

perfume os caminhos mais solitários e vazios.



segunda-feira, 1 de julho de 2024



              chegar é o mesmo que partir





É preciso viver além da vida para perscrutar 

os hemisférios da alma.

A fim de que o pó se decomponha em antimatéria.

E o findar da mísera farsa possa resolver-se, a despeito 

do mutismo exaltado dos claustros.

Que estranho instante-luz é este que revive 

a urdidura do querer subjacente ?

É precisamente impossível prever o momento

em que o carrossel da vida desanda.

Pessoas e estrelas se olham, desapontadas.

O mundo antigo enche a mansa manhã de vazios.

Distraídos, amor e luto vestem o mesmo corpo.

A força do querer abarca a amplidão que desencaminha.

Tudo se funde em partes sangrentas, tédio escuro perpetua

o desespero humano.

Acreditamos, vagamente surpreendidos, que amar é divino,

enquanto arranca do mais fundo a tua pureza.

Com a porta aberta e o coração partido, chegar é o mesmo

que partir.






sábado, 29 de junho de 2024





                        o vício da beleza





Depois de um tempo, tudo perde a graça.

O vício da beleza um dia acaba.

O consolo é que as perdas nos tornam fortes.

Contam-se os anos em detrimento dos sonhos.

Uma sabedoria inútil flui através dos cansaços.

Agora que tão somente a falta do amor permanece,

minha poesia morre por falência múltipla de afetos.



 

domingo, 16 de junho de 2024

                              o velho amor




O tempo,

que é o mais longo dos caminhos, 

enxovalha e purifica,

amaldiçoa e beatifica.

Nos autos-de-fé da alma, a carne queima 

em impiedosas fogueiras,

para que se cumpram 

os mundanos ritos.


Vivemos de esquecer, para sobreviver 

nem sempre esquecendo, 

e por isso mesmo padecendo.

Os mortos velam sua própria memória,

em perdidos e resgatados sonhos.

A fuga do tempo procura a nostalgia e o olvido.

Cada remordimento pressagia o que ganhamos

e o que perdemos.

Defenestrado, o velho amor resigna-se 

a estes versos.





 







sábado, 15 de junho de 2024


                            a farsa de viver





A farsa ocupa-se de si mesma 

como o triunfante alicerce de um lúgubre equinócio.

Assim o crânio lateja, a alma se quebra,

os irmãos se maltratam,

a vida implacavelmente horrível

murcha e perece.

O chão dos percalços caminha às cegas.

A graça pueril de pedras novas e antigas

ignora o périplo das debandadas.

Ando e desando encontrando-me em cada desencontro.

O que há de vir é meu tesouro.

Não morrer vulgarmente é o lume do meu descaminho.

Ardo funestamente a cada desvaio.

Fugir de mim já não fujo.

Os ledíssimos desenganos aludem 

a interminável farsa de viver.



quinta-feira, 13 de junho de 2024




                   qualidades estéreis





Ai de mim, sou tão pouco para quem 

exige tanto.

Qualidades estéreis não tem

sede nem fome.

De que vale o justo sem nexo ?

Uma rosa sem espinhos ?

A bondade amarga a verdade enferma.

O que já não presta arreia as calças.

Provavelmente morto serei melhor.

Mas a vida me penetra em potestades 

de quimeras.

Sofro e convalesço de exaltações terrestres.

Ninguém sabe a linhagem a qual pertenço.

Que espécie de animal serei ?



 


                     elegia post mortem



Prezo mais meus defeitos

do que minhas (parcas) virtudes.

Em tudo que a memória translada,

a irmandade atabalhoada 

fede a escória.

A forma mais estranha remenda-se, soluça ao pé

da tumba, conquanto tenta ser pobre como os ricos.

Ó, glória !

Ó, vitória !

Entrelaçam-se as fundições dos versos

ferozes, à luz da loucura da razão.

Destemidos cantares seguem à frente

dos próprios atos,

engolindo o choro inexato.

Olhos díspares transformam-se

em luxúria.

O medo cheira a tijolo e a perdão.

Mas, no entanto, é um aprazível

inchar-se de chumbo que liberta

a laica humildade.

Que há de ser inesquecível.

Mesmo que nada aconteça, mesmo que a infausta 

analogia das lembranças ferva em desgosto. 

Arrosta-nos a grandeza póstuma dos holocaustos.


 


 

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