Ninguém me falou.
Não foi de ouvir dizer.
Não foi com um conhecido, um vizinho,
um parente distante.
Aconteceu com a pessoa que eu mais amava.
E da qual, ironicamente, acabara de me separar.
E mais ironicamente ainda, por iniciativa dela.
Por razões que não vem ao caso lembrar.
Mesmo porque por motivos não muito diferentes
daqueles pelos quais todo mundo se separa.
Eu a vi perdendo as forças, se desfigurando,
ainda tão moça, acompanhei sua luta,
seu sofrimento, vi o seu apego a vida aos poucos
transformar-se numa entrega compassiva e resignada,
estou certo de que até o último momento seguiu
acreditando no milagre da cura, assim como eu, nunca
vou esquecer de como comemoramos ao sair o resultado
da ressonância no cérebro e nada acusou, mas o câncer
já havia se espalhado, e poucos dias depois ela veio a falecer,
depois de duas semanas internada, eu ali a seu lado, quis
o destino que coubesse a mim cuida-la nas últimas
semanas de vida, os mais tristes e singelos que vivi.
Singelos porque nunca estivemos tão próximos, nunca
a amei tanto como naqueles últimos dias de sua agonia.
Faz dois anos e meio que ela se foi, e ainda não me conformei,
sua lembrança está sempre comigo, volta e meia ainda choro
como agora, sonho com ela,
já não me culpo nem a ela pelo triste desfecho
de nosso casamento, ambos
erramos, e a vida encontrou uma maneira muito dura e cruel
de nos punir, e de nos reaproximar.
O que de certa forma ameniza o interminável
suplício de sua perda.