domingo, 29 de setembro de 2024


                        é o que há





A vida esmorece de ser em alegorias evanescentes.  

Reabrindo feridas, repetindo a sanha das desavenças, 

crivada de começos e recomeços 

de rubras florações. 

A luz dos conflitos alumia as sagas hereditárias.

Crucial é a desmemória.

Crucial é a demência da vitória.

As sangrentas batalhas se resolvem à revelia 

dos respectivos fins.

A humana humanidade se deleita em abismos inocentes.

Ao negar-se a esperança, os temores ameaçam

a calma transitória.

A vida feita de resignar-se é o que há.

Quebrando-se para resistir.

Renascendo para sobreviver.



sábado, 21 de setembro de 2024

                             em casa




eu em casa

e a vida passando,

lá fora. 


eu em casa

e o mundo pulsando,

lá fora.


eu em casa

e a galera indo e vindo 

se virando

se divertindo

se consumindo

vegetando,

lá fora.


Carros circulando

sirenes soando

o lixo se acumulando

as pessoas se hostilizando

golpistas, psicopatas, facínoras

tomando conta de tudo

e eu em casa

ouvindo Bach, Vivaldi, Beethoven...





 


                    

                    o troféu





Abençoado ou vilipendiado, o amor cumpre 

sua tarefa com louvor.

Aventura-se por vielas e becos, consumindo-se 

entre o deleite e o desencanto. 

Escreve a sagração de seus desígnios expondo-se à insânia

das misérias terrestres.

Voraz, o apelo da carne impele a plenitude dos desejos.

Ao situar-se entre o desvario e o desencanto,

o relapso amor agoniza em seu pedacinho de céu. 

Fraqueja, sucumbe à tentação. 

A renúncia é o preço do troféu.   



  


                     o sono das nulidades



Saúdo o breve instante de ser feliz.

Em meio a rotina que fustiga ossos e querelas,

o trâmite das coisas fungíveis expele sonhos e fezes.

A realidade desterra a voragem das sementes heróicas. 

A raiva de hoje se funde em pletoras perfunctórias, para que

a senilidade obsidie a obsessão dos espelhos.

O instante de ser feliz vilipendia dignidades, mas 

o que importa ?

Viver é um engano extorquido por exércitos de rameiras.

O assombro que permanece respira ares esfaimados.

A preamar das hostilidades esquiva-se dos cadafalsos,

enquanto as carpideiras traçam rotas trágicas.

Sevícias asquerosas repelem os maus presságios.

O êxtase dos punhais embute megalomanias necrosadas,

ante o absurdo que permeia o absoluto.

Há que despertar do sono das nulidades.

O instante de ser feliz não espera.




                             enredo sem nexo



Enredo sem nexo, o processo imerso 

no progresso 

tropeça, trapaceia, tergiversa.

Sacode a poeira, morde a própria boca,

esbanja, mendiga,

e depois se suicida.


Enredo controverso (do inferno egresso ?),

amanhece e anoitece

respirando poeira e fuligem,

dormindo nas calçadas,

profanando os altares,

regressa ao começo

onde o batismo e a extrema unção confabulam.




                                   velhice



Envelhecer é triste, patético. 

E todo esforço para reverter o processo 

torna tudo 

ainda mais deprimente.


Não há como enganar o espelho.

Nem dá para comprar outro joelho.

Dentes e cabelos caindo, o sexo minguando,

mal consegue amarrar os cadarços.


Aceitar a dura realidade é preciso.

Para não se tornar inútil como um bebê.

Só que sem a menor graça. 








segunda-feira, 9 de setembro de 2024


                           a tragédia humana





Ideias pendentes pairam exauridas.

Merencórias vilegiaturas louvam as singraduras equânimes.

Suburras recalcitrantes lavam o rosto de magistrados venais.

Por osmose, a sabedoria tripudia mais do sábio 

do que do ignorante.

A quem prefere o nada, nada se pode dar.

Há uma espécie de maldição na felicidade.

Quando não é curta, nunca basta.

Questões mal resolvidas, perguntas impertinentes afiam os dentes. 

Existe amor sem sexo ?

Existe amizade sem interesse ?

Existe verdade sem uma certa dose de mentira ?

Existe poder sem tirania ?

Existe intimidade maior que a penetração ?

Existe justiça sem moralidade ?

Existe instrução sem educação ?

Existe integridade sem caráter ?

A canalhice é o dom humano por excelência.

A razão conspira contra os sentimentos.

A tragédia humana não se dá por vencida.

 



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