quarta-feira, 29 de março de 2023


                             

                                quando eu deixar de ser otário



Houve um tempo em que achei

possível você me amar.

Em que pese meu ardor sem contexto.

O meu querer destrambelhado.

O jeito diferente de pensar.

Mas você me amar... sejamos francos.

Seria como o mundo girar ao contrário.

Um corte sem cicatriz.

A flor amar o espinho.


Houve um tempo em que achei possível

você me amar.

Ser o vício da tua cura.

O jornal que embrulha o peixe.

O álibi do teu disfarce.

Mas você me amar... francamente. 

Mais fácil a galinha criar dente.

Pois você só ama a si mesma, e eu só sirvo

para pagar tuas contas.

Mais fácil você me odiar, quando eu 

cair na real,

e deixar de ser otário.










Repare, amor,

separados,

somos um par

mais-que-perfeito.


 

terça-feira, 28 de março de 2023




                       

                             pagando o pato 




Ao largo do poluído estuário santista,

pescadores amadores se enfileiram,

com a maior paciência do mundo,

a espera do improvável : fisgar um peixe

que preste.

Os baiacus, coitados, é que pagam o pato.




                                a vida que não vivi






            Não tenho culpa de ter nascido.

            Do resto, me declaro culpado.


Passei a vida em desassossego.

Fracassei em quase tudo, num pensar

e sentir deslocado da realidade.

Desejoso de tudo abandonar e viver outra vida.

Deixando de viver a plenitude de cada dia.

A vida que tudo me oferecia e eu não via.


           A tudo, porém, o espírito inato de Orfeu 

           se sublevou. 

         Os desatinos não me impediram de ser feliz.

           Pagando o preço mas colhendo os frutos

           da vida que não vivi.

           Para a qual enfim despertei.








 

segunda-feira, 27 de março de 2023



Maneira infalível de não cair na conversa

de um mentiroso : duvidar de tudo que ele fala.

Mesmo daquilo que eventualmente possa ser verdade.


 



                    SOBREVIVENTE



Entre as muitas jornadas em meio a jornada,

sóis estagnados aquecem o labor

de quem se esquece de quem foi um dia.

O antigo eu não exige nem pede.

Venceu a dor mas perdeu a esperança.

Nada espera mas não cala.

Celebra a vida da qual se despede.

Sublime e dolente.

Nada mais pungente

que o doce epitalâmio 

de um sobrevivente.











Frontispícios inspiram.

Abstinências purificam.

Instintos malbaratam

dádivas que implicam em servidão.

Libertar-se dos apelos da carne,

eis a suprema conquista.



 

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