sexta-feira, 17 de novembro de 2023



                             navegar é preciso




Questões comezinhas nos tiram do sério.

Entorpecidos, seguimos em meio a almoços rotineiros

e distrações frívolas. 

O smartphone tudo provê.

Gurus de araque e a inteligência artificial

dispensam o raciocínio.

Breve máquinas tomarão conta de tudo, se é que

já não tomaram.

Imbecis jogam roleta virtual e tudo bem.

Espertalhões criam riqueza em sofisticadas 

pirâmides financeiras e tudo bem.

Incongruentes e obtusos, assistimos a tudo impassíveis.

Inútil protestar. Inútil se rebelar.

A vida suspensa dispensa a vida de verdade.

Basta curtir, seguir, compartilhar, sem sair de casa.

Agora como antigamente, "navegar é preciso, 

viver não é preciso."







quinta-feira, 16 de novembro de 2023



                            assim caminha a humanidade





Mais gente

Mais carros

Mais poluição

Mais destruição

Mais conflitos

Mais desigualdade

Mais miséria

Mais discriminação

Mais ignorância

Mais violência

Mais ódio

Mais impostores

Mais hipocrisia

Mais doenças

Mais drogas

Assim caminha a humanidade.










quarta-feira, 15 de novembro de 2023



                 delirante e heróico



Dentro de mim, o tempo que passou permanece

em algum lugar além da memória.

A vida exausta espreita o prometido repouso

como um guerreiro agonizante.

Que já não tem por que lutar.

Das batalhas vencidas e perdidas, só ficaram as feridas. 

Tudo que me era de mais caro se desfez 

ao longo da jornada.

Um lento morrer de belezas letárgicas

consome os sóis necrosados.

Tenaz, a vida abandona-se à sorte que a embosca.

Num epílogo de luzes ilumina-se o envelhecer 

delirante e heróico. 

Por osmose, abranda-se a conflagração das mentiras

e dos melindres.

Contra tudo que a existência deu e levou, eu ainda

guardo a ideia louca de ter sido feliz.




 

 








terça-feira, 14 de novembro de 2023



                              oquidão





Consome-se o amoroso temor que se eleva

além das asas.

Recriando a si próprio em febril diafanidade.

Ah, o impalpável fracasso dos devaneios !

Os astros choram pelo iracundo amor que os embeleza.

Todas as vozes permitem-se auscultar os idiomas

que ferem e mutilam.

Herméticos presságios presumem a dor que não se cria.

Quisera degustar o mel que mascara a grandiosidade

das quimeras.

Entardeceres de fugazes lembranças rondam a oquidão

circundante das lonjuras.

Onde o brusco amanhã repete-se, inédito.

O tempo que aflora amadurece até a incandescência. 

Para que a perfeita crueldade se nutra 

do gozo puro dos algozes.







sexta-feira, 10 de novembro de 2023



                             idílio 



 

No limiar do finito

ecoa

meu canto inaudito.

Sem passado nem futuro,

prematuro e gratuito.


Ante o fulgor pesaroso da terra,

amanhece a agonia dos amores ferozes.

Morrendo em gotas sob o retumbar 

de emanações pétreas.

Espreita-me o abismo das fadigas.

Nada me ocorre agora que satura-se

o lustro dos vernizes.

O racimo dos prantos incha-se de paixões.

O provar dos rancores erige filhos da mesma morte.

O tédio inapreensível presenteia-se com seu cansaço.

Tudo se consome até o silêncio.


Vejo o que não vejo passar em angustiante abstinência.

Não obstante, o amor recria-se em graciosa desdita.

Onde nada nem ninguém nunca

detém o idílio dos desejos e sonhos.






 



terça-feira, 7 de novembro de 2023



                          o gosto de todas essências




Vêm águas dormidas 

esconder o luzeiro da lua brunida.

Em silêncio, o pássaro cativo adivinha-se

distante da fruta proibida.

Perfumes paradisíacos dão graças

ao desejo lânguido de lábios adolescentes.

O passar desnuda luminescências atrozes.

Ausências confundem-se com a lenta perplexidade

dos adeuses. 

Pois devemos penar, sós, como num deserto.

Para provar o gosto de todas as essências. 

O breu de todas as fadigas.

Até que a vida reflua como um repousar de barcos

na singela quietude da praia.








domingo, 5 de novembro de 2023





Não estou pedindo para que sejas mais presente.

Nem vou me desculpar quando acho

que estás errado.

Nem vou pedir para que me abraces

quando eu precisar.

Não peço para que me elogies ou reconheças

as coisas que faço.

Não vou pedir para que telefones durante o dia, 

para dizer que sentes minha falta.

Não peço que se preocupe comigo

e entendas meus problemas.

Nem que me ouças quando preciso desabafar.

Não vou pedir nada que não queiras.

Muito menos que fiques a meu lado para sempre.

Porque se eu tiver que te pedir, 

não quero mais.



* Tradução livre de mensagem escrita pela pintora mexicana 

Frida Kahlo (1907-1954) a seu marido.





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