sexta-feira, 26 de janeiro de 2024



                            a fraude





A compreensão do mundo requer 

muito mais do que o simples conhecimento. 

Inteligência só não basta.

Futilidade e civilização se locupletam.

Malandragem vale mais que sabedoria, até os tolos sabem.

Os velhacos se reconhecem, os vícios viciam-se em sinecuras

sem sacrifício.

No mundo vasto e desfeito, compreender o básico 

desperta vaga-lumes interiores.


Pairam sobre nós 

estigmas susceptíveis aos embustes cotidianos.

Mentiras e traições tecem redes de pesadelos sem fim.

Aprendemos o que nos ensinam manietados por liturgias

e crenças fadadas ao desengano.

Através das coisas insondáveis, as secretas leis eternas

se cumprem.

A compreensão do mundo passa pela aceitação tácita  

das coisas que passam mas não passam.

O delicado tempo modela o duradouro e o perdido.

Para legitimar a grande fraude que nos legam.






sábado, 6 de janeiro de 2024




          dupla realidade





Há uma realidade paralela que nos passa despercebida.

Nela transitam os sentimentos alheios.

Feita das aleivosias que os outros, veladamente,

formulam sobre nós.

Forjando um outro eu que nem suspeitamos.

Do qual desdenha até quem mais amamos.


Pense, não se deixe enganar pela realidade aparente.

Pouco ou quase nada corresponde àquilo que aparenta.

O gesto amigo facilmente se reverte em hostilidade.

Os laços afetivos embutem armadilhas.

Geralmente se desfazem quando contrariados.

A realidade nada mais é que a projeção de nossas

crenças e expectativas.

No encontro de nós mesmos, o descobrimento

retardado pela força de ver é sempre adiado.

Não tarda que todas as batalhas sejam perdidas.

Sucumbem à realidade que não vemos, feita de mentiras, 

traições, maledicências. 


Nas experiências que se multiplicam, os desiludidos

seguem iludidos, os mal-amados seguem amando, 

até que o tempo depure as coisas.

E os olhos já não chorem quando o amor

resultar inútil.

Para renascer, quem sabe, numa vida 

sem mistificações.



sexta-feira, 22 de dezembro de 2023



          nunca foi tão bom viver



O mundo está indo para o caralho, 

é o que se diz.

Mas não parece.

Nunca houve tanta opulência.

Nunca houve tanta riqueza, ostentação.

Nunca se usufruiu de tanta liberdade, com uma 

ou outra exceção.

Nunca se desfrutou de tantos prazeres, 

de comida à lazeres.

Nunca se viveu tão bem, exceto para os mal nascidos

ou que optaram por vegetar, 

por enveredar pelos caminhos tortuosos

das drogas e da criminalidade.

O mundo pode estar indo para o caralho, mas, 

convenhamos,

nunca foi tão bom viver.









 

sábado, 16 de dezembro de 2023



                causas perdidas



Louve-se a perenidade das coisas sem nome.

O labor anônimo, o sacrifício velado às causas perdidas.

O bem que se faz apenas por fazer.

Bendito tudo que encanta, que alegra,

faz alguém sorrir.


Oxalá a vida fosse simples como repartir um pão,

para que cada um tivesse o seu quinhão,

e ao fim de cada dia, o aconchego de um lar

para apascentar o coração.


Mas o homem-primata não foi feito para viver

em paz e no sossego.

Expulso do Paraíso, perseguido pelos deuses 

desdenhosos do Olimpo,

seu destino inglório é perseverar no erro.

Rodeado de desamparo, transmuta-se

como um camaleão. 

Só não consegue ser feliz.






                   as coisas sem nome





O que aconteceu é tarefa já cumprida.

O presente se revela e se mascara de silêncios homicidas.

Descobre-se o mito que não tarda em desfazer-se.

Alegres e aflitos, matamos a esperança a

fim de engendrar novos inícios.

Crivados de enigmas e artifícios.

O equilíbrio do mundo rejeita a hipótese da inocência

sem culpa.

O indecifrável compreende a eternidade das coisas sem nome.


Quem dera a beatitude da luz que se derrama nos vergéis.

Para tornar menos penosa a manhã que chega prenhe

de imposturas. 

Poder amar a mudez expectante das torturas e feras enjauladas.

Perdoar-se pelo crime de viver.

Para que a vida ainda valha a pena ser vivida.











domingo, 10 de dezembro de 2023


                     libertação


Quando o futuro se vê lançado no abismo do nada,

e as coisas nunca mais serão como antes,

não tema. Não se desespere.

Pode ser, meramente, o fim de uma vida entorpecida

por anos de cativeiro e verdades encaixotadas.

De uma rotina macia, insuspeita, fatal, à sorver a fantasia 

viciada em desejos velados.


Da vida em que tudo parecia promissor

e sob controle, mas que aos poucos esmaeceu, 

se corrompeu,

até que a carne fraca, fecundada pelo tempo 

bastardo, capitulou a impensável traição,

despeça-se sem pesar.

Junte os cacos, respire fundo e siga em frente.

Às vezes uma aparente desgraça

pode ser uma benção.

Uma libertação.


 



sábado, 9 de dezembro de 2023



                 quando te vi pela primeira vez



 

Quando te vi pela primeira vez, 

teu olhar desconfiado 

atiçou em mim

uma espécie de inanição enroscada 

na garganta.

 

Fez meu coração bater como se estivesse

à beira de um despenhadeiro.


Quando te vi pela primeira vez,

senti iluminar o tráfego dos desejos.

Vi meus becos quebrarem o invólucro 

das gestações inflamáveis.


Nem santa nem puta, volveu vagas reativas.

Serei um novo eu a cometer os mesmos desatinos ?


É tão bonito o entardecer a teu lado.

Odores suicidas perfumam o ambiente insolúvel.

Revivendo medos cativos.

Vagos saberes partem o chão sem trilhas.


Quando te vi pela primeira vez,

senti que nada seria como antes.

Na vaga-vida-sofrida, os pés trincados absorvem

a poeira batalhada em pedra.

Vieste como uma tábua de salvação.

Resta saber para quem.









Postagem em destaque

                                       não acredite                         quando digo                        que te amo Não acredite quand...