sábado, 13 de maio de 2017
NADA A FAZER
Não há nada que se possa fazer
quanto ao que não pode ser desfeito.
Nada que possa mudar
o que não pode ser mudado.
Nada a fazer frente ao intangível, ao irremediável.
Nada que possa demover o irredutível.
Recuperar o insanável.
Relevar o imperdoável.
Restabelecer a confiança perdida.
O amor exaurido em armadilhas domésticas.
Laços fraternos e amorosos vergastados
pela chibata inclemente do tempo.
Não há nada que se possa fazer
quando o tempo de fazê-lo passou.
quinta-feira, 4 de maio de 2017
DA BOCA PARA FORA
À luz dos fatos, da esbórnia reinante, salta à vista
a desimportância de tudo que é importante.
A irrelevância de tudo que é relevante.
O valor do que é desvalorizado, depreciado.
Que vem a ser os valores outrora vigentes e considerados.
Cabe não relevar a motivação dos covardes, dos omissos.
O apelo da sinecura, das rebordosas, mesmo as mais
pusilânimes e recalcitrantes.
E subentender que o arrebatamento, o pecado sem arrependimento,
sem comedimento,
vem a reboque do status quo
que privilegia o ignominioso, o reprovável, o condenável.
Em face do quê, não serei eu a exaltar o amor, a virtude,
o politicamente correto.
Hoje não. Ao menos no papel
também quero ter o direito de fraquejar,
compactuar com o vício e as fraquezas,
de despautérios e vexames.
Igualado e igualmente humano,
louvar as derrotas, os derrotados.
Me ombrear aos fracos e oprimidos,
aos embusteiros e caloteiros, que malgrado as transgressões, dormem o sono dos justos.
Não, hoje não serei a palmatória do mundo,
o dedo em riste,
muito menos o dono da verdade.
Concedo-me o direito de ser fraco,
falso, hipócrita. De trapacear.
De dar o troco na mesma moeda.
Ser como todo mundo.
Com a consciência tranquila da boca para fora
terça-feira, 2 de maio de 2017
É FATO
É fato que se pode amar, doar-se,
fazer de tudo para que as coisas deem certo,
e às vezes nem assim funcionem.
É fato que erros e imperfeições, inerentes a cada um,
acabam por sabotar os esforços,
e até mesmo se sobrepor a tudo de bom
que tenha acontecido, que se tenha feito.
É fato que quando o todo é tomado por um episódio
isolado,
nem sempre é possível contornar,
impedir que as coisas desandem.
É fato que, quando o conjunto da obra é comprometido
por um acorde fora de tom,
antecedentes manchados por algum tropeço esporádico,
os resquícios de desconfiança e dúvidas
sempre acabam vindo à tona, falando mais alto.
Pode-se eventualmente até desculpar, relevar,
mas esquecer, jamais.
E o que parecia uma fortaleza indevassável,
de repente não passa de um frágil castelo de areia.
De fato, é fato.
segunda-feira, 1 de maio de 2017
EXISTO, LOGO PENSO
Existo, logo penso na trágica sina de sofrimento, morte e destruição que a humanidade se auto-inflige.
Existo, logo penso nos conflitos seculares, hegemônicos, étnico-raciais que persistem, sem qualquer sinal de apaziguamento.
Existo, logo penso nas milhares de pessoas que tombam nas guerrilhas urbanas, ensejadas pelo flagelo das drogas, e cujo combate tem sido inútil, em função da crescente demanda.
Existo, logo penso no eterno drama dos excluídos, exilados, discriminados, perseguidos e abandonados de toda natureza.
Existo, logo penso na miséria e desamparo que predomina em quase todos os cantos do mundo, ao mesmo tempo em que bilhões são roubados, desviados, sonegados por governantes inescrupulosos e desonestos.
Existo, logo penso nos injustiçados pelas capciosas leis dos homens, invariavelmente norteadas pelo famigerado princípio de dois pesos e duas medidas.
Existo, logo penso nos doentes, nos inválidos, e deficientes físicos, em sua luta desigual e titânica pelos direitos mais elementares.
Existo, logo penso nos genocídios ignominiosos, nos povos expulsos à força de suas terras, sem direito a nada, relegados à própria sorte.
Existo, logo penso nas crianças que nascem e crescem em meio a lares destroçados, ao martírio das bombas, execuções sumárias e à rotina de imolações promovidos por ditadores sanguinários e assassinos da pior espécie, que distorcem os cânones religiosos para justificar seus dantescos propósitos.
Existo, logo penso na destruição sistemática e inexorável imposta ao planeta, por insensibilidade, ignorância, e principalmente, ganância e descaso com as evidentes alterações climáticas, evidente no colapso de eco-sistemas vitais da natureza.
Existo, logo penso no futuro desse mundo em que o belo e o insano se confundem e convivem aos trancos e barrancos.
Existo, logo penso que não obstante o dom da inteligência, a humanidade continua ignorando os prenúncios e avisos de estar cavando seu próprio fim.
Penso, logo existo. Mas de entender tanta insânia, desisto.
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imanência
Nada é o que parece.
Nada em que se possa confiar.
Nada é duradouro.
Nada que não possa mudar
num piscar de olhos.
Nada é o que aparenta.
Relações, sentimentos, compromissos,
laços de amor e amizade.
Nada que qualquer deslize ou o próprio tempo,
não acabem por macular, ou destruir.
Ninguém é o que pensamos ser.
Muito menos o que idealizamos.
Na vida, como nos relacionamentos, não há
porto seguro,
salvo- conduto, bilhete de loteria premiado.
Ninguém está livre de deslizes. Infortúnios.
Os quais, quando não são os outros, você
Ninguém está livre de deslizes. Infortúnios.
Os quais, quando não são os outros, você
mesmo se inflige.
E que são os piores.
E que são os piores.
Nada é como imaginamos.
A vida vivida sempre é diferente da sonhada.
Quando parece pouco, geralmente é muito.
Quando parece muito, geralmente é pouco.
Tudo o que se faz presente demora.
Fiel à imanência dos desastres.
sábado, 29 de abril de 2017
quarta-feira, 26 de abril de 2017
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RIO JACUÍ, PESCARIAS INESQUECÍVEIS |
PESCARIA
Adorava pescar com meu pai no rio Jacuí, num trecho entre Agudo e Dona Francisca, no interiorzão gaúcho. Ele talvez nem tanto, dizia que de tão tagarela, eu espantava os peixes... Mas troça mesmo ele fazia quando minha linha de pesca embaraçava, fazendo uma maçaroca que mais parecia uma rede. Coisa de principiante, por mais cuidado que eu tomasse, era só acumular um pouco de água no fundo da canoa e me via a desperdiçar um tempo precioso para desfazer o emaranhado que sempre se formava.
O que certa vez levou meu tio Gunter, gozador emérito, a comentar em alemão, idioma que toda família falava, inclusive eu : leute, wollen sie fischernetz ? - "gente, ele está querendo pescar de rede...", ou algo parecido, seguido de uma gostosa gargalhada que ecoou por todo rio.
Mas nada que me chateasse, mesmo em relação a maldita linha que vivia embaraçando, e que em última caso, na surdina, me levava a apelar para o recurso extremo que o pescador veterano mais abomina : passar a faca na parte embaraçada. O que equivalia a comprometer todo o rolo, devido aos nós que tendiam a romper no caso de algum peixe maior morder a isca. Sem falar que os caroços das emendas costumavam resultar em maçarocas ainda piores . Daí que, como dá para perceber, nunca cheguei a ser um pescador de mão cheia, como meu velho, que tinha a chamada manha e uma técnica que me fascinava.
Sabia só de olhar o fluxo das águas, por exemplo, o lugar exato para poitear. "Pode largar (a poita) aqui, mas devagar para não assustar os peixes", dizia ele, na calma de sempre, cedendo a minha insistência, mesmo rapazola, para lançar a tal poita, que vinha a ser uma pedra enorme, de uns dez quilos pelo menos. Com a canoa devidamente ancorada e estabilizada, era só uma questão de tempo para ele encher os viveiros de pintados, jundiás, e esporádicas piavas e dourados, já então troféus cada vez mais raros.
Atento à tudo, eu acompanhava, embevecido, sua técnica infalível. A minhoca ainda viva, espetada no anzol de modo a não aparecer nadinha do metal, seguindo do lançamento perfeito, como se fosse uma boleadeira, a 20 ou 30 metros de distância. Movimentos que pareciam simples e descomplicados, mas que não obstante meu esforço para imitá-lo, raramente conseguia. Ou a bosta da linha embaraçava, ou o arremesso não ia além de alguns metros, por falta de força e traquejo.
Vexame ainda maior era quando, inadvertidamente, pisava na linha, e o anzol, com o sobrepeso da chumbada, ricocheteava a ponto de quase nos atingir.
Trapalhadas que meu pai não achava nada engraçado, mas que não chegavam a ser motivo de irritação. O máximo que fazia era comentar que da próxima vez eu deveria pescar de caniço, como os meninos de minha idade.
Pitos que nem de leve me aborreciam ou desanimavam, de tanto que adorava aquelas pescarias das férias de verão. O mais importante para mim era estar na companhia dele, dos tios Gunter e Orlando, e desfrutar de tudo aquilo que normalmente era exclusividade dos adultos. Pescar num rio majestoso como o Jacuí, ouvir e participar da prosa, observá-los em ação, e aos poucos também fisgar os meus peixinhos e até alguns peixões, safo e persistente como eu era.
Parece mentira mais de meio século tenha transcorrido desde então. E mais incrível ainda, que essas lembrança continuem tão vívidas e fortes em algum lugar de minha mente. Nada épico ou minimamente comparável a aventuras famosas do gênero, como o Velho e o Mar, de Ernest Hemigway, ou Moby Dick, do também do norte-americano, Herman Melville, ainda que a leitura dessas obras-primas não me sensibilizem tanto quanto as lembranças de pescarias bem mais modestas como aquelas.
Pelo simples e óbvio fato de serem parte de minha história de vida, talvez a mais gratificante, o convívio com entes queridos que já se foram, mas não no meu coração.
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