quinta-feira, 5 de outubro de 2017
PEGAR OU LARGAR
O mundo seria perfeito se pudéssemos viver sempre numa boa, curtir as coisas que valem a pena, sem culpas e ressentimentos. Usufruir do dinheiro e da fama, ou simplesmente daqueles momentos mágicos que gostaríamos que nunca acabassem. Mas como a vida está longe de ser sequer amistosa, nem a opulência e a fartura são garantia de felicidade.
Evidentemente, dispor de recursos e dotes é uma baita mão na roda, sejam eles materiais, artísticos, intelectuais. Mas nada é duradouro, permanente. Quando não é a cabeça, é alguma doença, um acidente, e a vida vira do avesso. Pois nada é para sempre.
Primeiro, porque basicamente a vida é um jogo de perde e ganha, um campeonato de pontos corridos à Brasileirão. Em que ora se briga pela ponta, ora se está caindo pelas tabelas.
Segundo, porque não fomos programados para sermos felizes. Felicidade é um estado de espírito, contingência. Pode mudar ao sabor do vento e da maré.
O indivíduo normal está sempre se equilibrando na corda bamba da existência. Administrando as coisas na moral ou no tranco. Quase sempre no tranco. Fazendo concessões, fazendo o que não gosta, engolindo sapos e desaforos, em meio a um mundo de contas e obrigações. Um monte de gente cobrando e sugando, e ninguém para reconhecer, agradecer, te dar o devido valor.
Pois assim é a vida. Sacana, traiçoeira, cobra caro, caríssimo por qualquer coisa que se venha obter. Mesmo para aqueles que parecem aquinhoados pela sorte, eleitos pelos deuses, a barra às vezes pesa e as coisas desandam, pois o luxo e a luxúria andam de mãos dadas.
A vida dá com uma mão e tira com a outra. O que ela nos dá não tem preço. Mas o que nos tira, idem. Negociar com ela é tudo que nos resta. Uma negociação difícil, no mais das vezes ingrata e injusta, em condições geralmente adversas, mas é pegar ou largar. É ir à luta ou ficar na tocaia.
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
SIMULACROS
O que fazer quando não há mais nada a fazer ?
Nada que dê jeito, que conserte
o que não tem conserto, o que não tem remédio ?
O que dizer quando as palavras já não surtem efeito,
quando não convencem e sequer contemporizam,
tão rotas e esfarrapadas que nem juras adiantam ?
O que dizer quando não há mais nada a dizer,
que soe minimamente convincente,
findos todos os argumentos razoavelmente críveis,
que sequer mereçam o benefício da dúvida ?
O que esperar quando não há nada mais
a esperar, que valha a pena esperar,
esgotadas todas as tentativas,
queimados todos os cartuchos ?
Nada, é a resposta para tudo.
Nada fazer, nada dizer, nada esperar.
Nada além de dar um tempo para o coração
se refazer
dos velhos simulacros do estoicismo.
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
VELHO NOVINHO EM FOLHA
é quase um não existir onde me encontro.
Um simulacro do que poderia ter sido.
Arremedo do que fui um dia.
Muito aquém do que sonhava para mim.
Do que pensava que poderia fazer.
Do que não fiz, e nem tentei fazer.
Por inaptidão, covardia, acomodação.
Medo de sair da zona de conforto.
No entanto, não lamento.
Estou exatamente onde deveria estar.
Cheguei exatamente onde poderia chegar.
Não transfiro a ninguém culpas que são
Um simulacro do que poderia ter sido.
Arremedo do que fui um dia.
Muito aquém do que sonhava para mim.
Do que pensava que poderia fazer.
Do que não fiz, e nem tentei fazer.
Por inaptidão, covardia, acomodação.
Medo de sair da zona de conforto.
Estou exatamente onde deveria estar.
Cheguei exatamente onde poderia chegar.
Não transfiro a ninguém culpas que são
de minha inteira autoria e responsabilidade.
Não plantei nenhum árvore, não escrevi um livro,
e os filhos que tenho não me pertencem.
Pertencem ao mundo.
Não precisam de mim para nada.
Pois nada mais tenho a dar que faça diferença.
Relegado a hipocrisia das convenções.
De palavras ao léu.
Posto que o que importa já não importa.
Nem a voz da consciência que se eleva em horas mortas.
Morto como estou para o quê um dia fui.
Para o que sentia.
Posto que o que importa já não importa.
Nem a voz da consciência que se eleva em horas mortas.
Morto como estou para o quê um dia fui.
Para o que sentia.
Pelo que me congratulo.
Ao quê saúdo.
O novo homem em que me transformei.
Um velho homem novinho em folha.
O novo homem em que me transformei.
Um velho homem novinho em folha.
sábado, 16 de setembro de 2017
sexta-feira, 15 de setembro de 2017
KIT-PENITENCIÁRIA
Sabemos todos que o nó górdio da justiça é a prova. É provar de maneira cabal e inquestionável a culpabilidade imputada a este ou aquele. O direito, tal qual o conhecemos nos países ditos evoluídos, tem como característica o rigor extremo e meticuloso no ato da acusação, e em contrapartida, salvaguardas que beiram a leniência em defesa dos réus. Grosso modo, a preocupação em evitar a condenação de um inocente abre precedentes e jurisprudência que beneficiam mil meliantes.
Não se trata de uma exclusividade de nossa justiça chicaneira, os Estados Unidos não ficam atrás em casos de arbitrariedades escandalosas, em função da autonomia penal vigente em seus 50 estados. Ou seja, o que vale na Pennsylvania não vale no Texas. Uma aberração que o cinema norte-americano transformou no seu maior filão, em incontáveis filmes e séries televisivas que giram em torno da discrepância entre uma ordenação jurídica extemporânea e criminalização ostensiva. Quase ao contrário do que acontece aqui, onde vigoram leis e penalizações extremamente flexíveis e camaradas.
Tão flexíveis e camaradas que, quando a coisa começa a dar uma reviravolta, graças as heroicas ações da Laja-Jato e do MPF, levadas a cabo pela Polícia Federal, a bandidagem entra em pânico. Não acreditam. Esperneiam, ameaçam, apelam para toda sorte de artifícios, no afã de negar os fatos escabrosos que vão sendo dedurados, por ex-correligionários decididos a livrar a pele. Outros, que se julgavam intocáveis e mais espertos, simplesmente desmontam e choram ao ver que a suposta esperteza não foi suficiente para livra-los da humilhação da prisão.
Sabemos todos que os caminhos da justiça brasileira são longos e tortuosos, ainda mais com certas figuras manjadas de nossa Suprema Corte, dos quais tudo de pode esperar. De qualquer forma, tem sido extremamente reconfortante ver que a impunidade está ficando para trás, com a prisão de tantos figurões que acreditavam estar acima das leis. Como o mega-mafioso Wesley Batista, que se jactava de ter engambelado o procurador Janot e o próprio juiz Edson Facchin, e acabou caindo feio - ou melhor dizendo, lindamente - do cavalo.
Mantida essa linha - se é que a substituta de Janot na PGR, Raquel Dodge, não dê pra trás - e a coisa não deve parar por aí. Lula, e quem sabe o próprio Temer, podem deixar o kit-penitenciária preparado que mais dia, menos dia, vão precisar.
segunda-feira, 11 de setembro de 2017
SERENDIPIDADE
Para meu filho, Angelo
Acima da verdade está o desejo
O querer mais que tudo
Sem medir consequências
Ainda que seja para quebrar a cara
Mesmo porque só assim se aprende
Acima do desejo está a razão
O querer condicionado pelo comedimento
O bom senso como bússola
Garantias de uma vida certinha e insossa
Que não fede nem cheira
Acima da razão, os sentimentos
Pois ninguém é de ferro
Gostar, odiar, invejar : faz parte
Quem nunca mandou alguém à merda
Quem nunca atirou a primeira pedra ?
Acima dos sentimentos está a necessidade
Posto que ninguém vive de brisa
E saco vazio não pára em pé
Não é à toa que a rasteira
É o esporte mundial por excelência
Acima da necessidade está o dever
Feliz de quem não precisa obedecer a ordens, normas, horários
Se é que este alguém exista
Se é que isso seja possível
Acima do dever, os princípios
Algo que todo mundo diz ter
Mas que no mais das vezes
Quando colocados à prova
Ninguém sabe onde foram parar
Acima dos princípios, as leis
Ainda que em detrimento deles
Ainda que em função deles
Ainda que dura lex, sed lex
Só valha para os inimigos
Acima das leis está o direito
Direito de ir e vir, de expressão
E até de transgredir as leis
Pois direito é direito
Se não andar direito, é outro departamento
Acima do direito, a justiça
Ah, sim, a velha e boa justiça de guerra
Velha e caquética senhora que, cá pra nós
A ninguém mais engana
Ainda mais quando encarnada por aquelas
Manjadas figuras da Suprema Corte tupiniquim
Acima da justiça está a liberdade
O bem mais elementar e supremo da humanidade
Cuja privação só quem sofre
Pode avaliar e dimensionar
E acima de tudo, o discernimento
Sem o quê todo conhecimento é inútil
Toda bagagem insuficiente
Por consistir basicamente
Em separar o joio do trigo
Em mostrar quem é quem
De reconhecer que a fé
É mais forte que as adversidades
Que mais forte que a fé é a atitude
Mais forte que a atitude, a sabedoria
Mais forte que a sabedoria, a imaginação
Que mais forte que a imaginação é o livre-arbítrio
Mais forte que o livre-arbítrio, o poder
Mais forte que o poder, o amor
E mais forte que tudo, o destino
O acaso, a sorte, o karma, ou coisa que o valha
Ou pura e simplesmente
A serendipidade...
Sim, pois quantas coisas insensatas e tolas
Criamos ou imaginamos nos desvãos da mente
Oriundas do entendimento tardio
Do que foi sem nunca ter sido
Do peso de despertar para o hoje
Preso as angústias de ontem
Ao pesar de perdas e sonhos idos
Vergastado pelo descontentamento nocivo e compassivo
Do desconsolo permanente de viver
Sufocado entre os muros da inércia
De não saber agir
De não saber discernir
Valorizar o que importa
Descartar o imprestável
De modo a harmonizar a vida passada e a presente
Conciliar o que foi e o que é
Aprender a lidar com os estragos causados
Por equívocos e opções infelizes
Coisas que pareciam justas e certas
Mas que de justas e certas nada tinham
Posto que meramente circunstanciais e efêmeras
Como tudo na vida
Como tudo em nossa precária
E insignificante existência
Cuja real medida e importância
Só se tem depois de morto.
Para meu filho, Angelo
Acima da verdade está o desejo
O querer mais que tudo
Sem medir consequências
Ainda que seja para quebrar a cara
Mesmo porque só assim se aprende
Acima do desejo está a razão
O querer condicionado pelo comedimento
O bom senso como bússola
Garantias de uma vida certinha e insossa
Que não fede nem cheira
Acima da razão, os sentimentos
Pois ninguém é de ferro
Gostar, odiar, invejar : faz parte
Quem nunca mandou alguém à merda
Quem nunca atirou a primeira pedra ?
Acima dos sentimentos está a necessidade
Posto que ninguém vive de brisa
E saco vazio não pára em pé
Não é à toa que a rasteira
É o esporte mundial por excelência
Acima da necessidade está o dever
Feliz de quem não precisa obedecer a ordens, normas, horários
Se é que este alguém exista
Se é que isso seja possível
Acima do dever, os princípios
Algo que todo mundo diz ter
Mas que no mais das vezes
Quando colocados à prova
Ninguém sabe onde foram parar
Acima dos princípios, as leis
Ainda que em detrimento deles
Ainda que em função deles
Ainda que dura lex, sed lex
Só valha para os inimigos
Acima das leis está o direito
Direito de ir e vir, de expressão
E até de transgredir as leis
Pois direito é direito
Se não andar direito, é outro departamento
Acima do direito, a justiça
Ah, sim, a velha e boa justiça de guerra
Velha e caquética senhora que, cá pra nós
A ninguém mais engana
Ainda mais quando encarnada por aquelas
Manjadas figuras da Suprema Corte tupiniquim
Acima da justiça está a liberdade
O bem mais elementar e supremo da humanidade
Cuja privação só quem sofre
Pode avaliar e dimensionar
E acima de tudo, o discernimento
Sem o quê todo conhecimento é inútil
Toda bagagem insuficiente
Por consistir basicamente
Em separar o joio do trigo
Em mostrar quem é quem
De reconhecer que a fé
É mais forte que as adversidades
Que mais forte que a fé é a atitude
Mais forte que a atitude, a sabedoria
Mais forte que a sabedoria, a imaginação
Que mais forte que a imaginação é o livre-arbítrio
Mais forte que o livre-arbítrio, o poder
Mais forte que o poder, o amor
E mais forte que tudo, o destino
O acaso, a sorte, o karma, ou coisa que o valha
Ou pura e simplesmente
A serendipidade...
Sim, pois quantas coisas insensatas e tolas
Criamos ou imaginamos nos desvãos da mente
Oriundas do entendimento tardio
Do que foi sem nunca ter sido
Do peso de despertar para o hoje
Preso as angústias de ontem
Ao pesar de perdas e sonhos idos
Vergastado pelo descontentamento nocivo e compassivo
Do desconsolo permanente de viver
Sufocado entre os muros da inércia
De não saber agir
De não saber discernir
Valorizar o que importa
Descartar o imprestável
De modo a harmonizar a vida passada e a presente
Conciliar o que foi e o que é
Aprender a lidar com os estragos causados
Por equívocos e opções infelizes
Coisas que pareciam justas e certas
Mas que de justas e certas nada tinham
Posto que meramente circunstanciais e efêmeras
Como tudo na vida
Como tudo em nossa precária
E insignificante existência
Cuja real medida e importância
Só se tem depois de morto.
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
PASSE LIVRE
Tudo na vida tem seu tempo.
Até mesmo para dar um tempo.
Para pensar. Repensar. Inventariar.
Atinar com o que fez de certo e de errado.
O que deu certo e o que não deu.
Mesmo porque, afora a morte, nada é certo.
Mesmo porque o certo pode dar errado. E vice-versa.
Dar um tempo pode ser bom
Para respirar outros ares
Experimentar novas e velhas sensações
Dar um tempo de tudo
De fazer sempre as mesmas coisas
De buscas sonhos e esperanças onde não há
Dar um tempo para se redescobrir, ou melhor ainda
Se reinventar
Se livrar de antigos fardos
Ideais, responsabilidades.
Da felicidade enganosa que sufoca
E pesa o peso do mundo
Pelo que exige em troca
Posto que intrinsecamente efêmera
Dar um tempo para ver o mundo
Ainda que seja só para tirar a cisma
E que suspeito ser o secreto desejo que acalentas
Mas que te falta coragem para propor
Dar e receber o passe livre
Liberdade ainda que tardia
Antes que tardia...
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