quinta-feira, 8 de novembro de 2018
Da série, minha vida virou uma piada
Tem um catador de papelão, um desses tantos carrinheiros que faz dessa insalubre atividade um meio de vida, que há mais de 10 anos reside debaixo de uma das marquises de minha firma, aqui na Ponta da Praia. Como a loja é de esquina, aproveitou uma das extremidades onde quase não passa ninguém, e instalou um velho sofá, onde passa as noites, coberto por uma espécie de lona de plástico. A prefeitura já tentou removê-lo várias vezes, chegaram a levar um outro sofá e apetrechos que ali guardava, mas ele bravamente resiste, dizendo gostar dali e que ali pretende ficar, enquanto eu permitir.
Ora, por mim tudo bem, ele jamais me incomodou, não é de fazer sujeira, e não deixa de ser uma espécie de vigia atento a tudo que rola num pedaço sabidamente da pesada. Sem falar no inacreditável bom astral do sujeito, que tem sempre algum comentário ou algo engraçado na ponta da língua.
Como outro dia, quando se aproximou tão logo desci do carro, e logo vi que queria puxar conversa, ou talvez pedir um trocado, como às vezes faz. Mas não.
"Tudo bem com o senhor, patrão ?
"Está, sim, Messias (o nome dele), e com você ? "
"Tudo sob controle, como sempre. O senhor sabe que comigo não tem tempo ruim", aduziu, emendando :
"Desculpe falar, mas tenho notado de uns tempos pra cá que o senhor está diferente. A cara amarrada, parece triste... Desculpe me meter, posso estar falando bobagem, mas não deixa a peteca cair, não. O senhor é do bem, logo as coisas melhoram..."
Agradeci, meio sem jeito, e não pude deixar de me admirar diante do exemplo de galhardia e sabedoria inata daquele zé ninguém, provavelmente mais feliz do que eu, com minha vidinha de burguês, mas cheio de merda na cabeça.
da série, minha vida virou uma piada
Passei toda minha vida no convívio familiar, até os 27 anos vivendo com meus pais, depois em dois casamentos desfeitos - o segundo recentemente terminado. Com meus pais e minha irmã mais nova falecidos, dois filhos adultos e meu caçula vivendo com a mãe, eis que pela primeira vez na vida, me vejo só. Velho e absolutamente só.
A vida é injusta e cruel. Lembrei de um velho amigo, Maneco Pé-Leve, que também se viu assim, sem família, e cujo maior medo, confessou-me certa vez, aos prantos, em meio a uma bebedeira, era ninguém reclamar seu corpo e ser enterrado como indigente. "Promete pra mim, cara, não deixa isso acontecer. Me promete, cara, me promete ...", repetia, soluçando como uma criança. Prometi, é claro, até mesmo para dar um fim àquele repentino melodrama em pleno bar lotado.
Pouco tempo depois ele voltou para Itajaí, sua cidade de origem, e nunca mais o vi. Espero que ainda esteja vivo, mas se já tiver partido desta para melhor, que alguma alma caridosa tenha cumprido por mim a tal promessa.
Quanto a mim, pouco se me dá se acabar enterrado como indigente. Morrer não me assusta, e o que vier à acontecer com minha carcaça, pouco importa. Aliás, simpatizo muito com a iniciativa da minha mãe, que após um final de vida sofrido e difícil para todos, dispensou o próprio velório. ''Não quero ninguém chorando em cima do meu caixão", sentenciou.
Minha velha não era fácil. Oxalá esteja em paz.
quarta-feira, 7 de novembro de 2018
da série, minha vida virou uma piada
A pessoa te enrola, mente, finge ser o que não é,
mas mesmo assim sinto falta dela.
A pessoa te usa, te faz de otário, inverte
as coisas, mas mesmo assim gosto dela.
A pessoa te sacaneia, trapaceia, se faz
de vítima, mas mesmo assim queria ela de volta.
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