quarta-feira, 27 de março de 2019


                                  a lei do retorno







Muitas coisas que não sabemos, melhor
não saber.
Para não sofrer em vão.
Não saber as verdadeiras razões.
Disto e daquilo.
Por que acabou, se valeu a pena,
ou foi tudo enganação, uma grande ilusão ?

Há coisas que é melhor não saber.
Simplesmente esquecer.
Superar.
Ainda mais se ficaram sequelas.
Mágoas, ressentimentos.
Vingança é um prato que se come frio,
dizem os entendidos. 
O dia da prestação de contas sempre chega.
Mais cedo ou mais tarde, a vida cobra.
Aqui se faz, aqui se paga.
De uma forma ou de outra, ninguém fica impune,
ninguém está imune às mais variadas vicissitudes.
Segredos, trapaças, sacanagens, um dia vêm à tona.
Quando não descobertas, 
em infortúnios pessoais se revertem,
conforme a implacável lei do retorno.

Filosofia barata ? Pode ser. 
Cada um sabe de si, 
cada um que arque com o peso de seus atos.












terça-feira, 26 de março de 2019



             CHUTANDO O PAU DA BARRACA


Reza a lenda que certa feita, num acesso de fúria, o grande Genghis Kahn decepou a cabeça da criatura de seu maior apreço, um falcão que o acompanhava em suas longas jornadas e intermináveis batalhas. Até aí, nada demais, em se tratando de um dos maiores sanguinários da História. As circunstâncias é que foram de lascar. 

Marchava ele e seu exercito de mongóis há semanas por um deserto, cansados e sedentos, quando a ave os conduz a um pequeno oásis, onde se regojizam com a maravilhosa visão de um córrego se precipitando do alto uma cachoeira. Como de praxe, coube ao chefe a primazia de primeiro matar a sede, mas eis que para surpresa de todos, num voo rasante, o falcão o impede de beber, afastando o vasilhame com as garras. 

Mais pasmo do que irado, Genghis Kahn brincou com seus comandados que o provavelmente o calor havia afetado os miolos do bicho. Mas ficou possesso quando ao repetir o gesto, o falcão volta a impedi-lo de beber. Ao que saca da espada e ameaça matá-la, caso insista no que lhe parece uma afronta injustificável. Dito e feito : ao ver o pássaro aproximar-se em nova investida, decepa-lhe a cabeça num golpe certeiro.   

Após sacrificar assim, impulsivamente, o companheiro de tantas jornadas, o qual estimava mais do que a todos, agachou-se para enfim recolher o precioso líquido, quando do alto do penhasco de onde despencava a cachoeira, um de seus guerreiros gritou para que não o fizesse, chamando-o para ver o que havia encontrado na nascente do córrego : uma imensa cobra, já em adiantado estado de putrefação. 
Ou seja, a água estava envenenada, e se dela bebesse, ele e seu exercito provavelmente morreriam. E a história da humanidade seria outra.    

Verídica ou não, a passagem embute uma lição muito óbvia : a de que jamais devemos tomar decisões radicais levados por impulso ou emoções exacerbadas. Pois elas afetam o juízo, induzem a erro, equívocos, injustiças muitas vezes irremediáveis.

O que não significa que todas as explosões e reações intempestivas sejam maléficas. Há situações-limite que não só justificam como exigem tomadas de posição à altura. É quando o famoso chutar o pau da barraca se torna imperioso, uma questão de moral, dignidade. Diferentemente do primeiro caso, as perdas aqui são saneadoras, benéficas, ainda que sujeitas a naturais dúvidas e questionamentos. Principalmente quando se trata de rompimentos de cunho afetivo, em que as boas recordações tendem a causar surtos de arrependimento e auto-flagelação. 
   
Faz parte do processo assumir culpas e responsabilidades, hiper-valorizar o que foi supostamente perdido, mitigar as reais causas da ruptura, esquecendo-se do que antes era motivo de crescente e insuportável insatisfação. Coisas como o distanciamento, a indiferença, a falta de interesse sexual, e uma série de outros problemas daí decorrentes, protelados ao extremo de ensejarem desfechos radicais e traumáticos. Sentimentos represados que quando transbordam, às vezes do nada, posto que já no limite, causam estragos gigantescos e irreparáveis. 

Nada é mais desafiador para o ser humano do que controlar seus instintos e emoções. Mesmo quando justificáveis, tais rompantes sempre deixam sequelas. Quase sempre dolorosas. Mesmo quando benéficas. 













segunda-feira, 25 de março de 2019


                FRACASSOS QUE HUMANIZAM






Coleciono fracassos,
mas continuo de pé.
Lambo as feridas
e parto para outra.
Outras cabeçadas, off course.

Tudo bem, convém não abusar.
Há fracassos e fracassos.
Há os que ensinam, somam;
e há os caminhos sem volta.
Há os fracassos que nos humanizam,
e há os que nos derrubam.
Um fio tênue os separa.
Porque às vezes, uma perda pode se reverter
num ganho que a dor da perda escamoteia.
Uma relação exaurida, por exemplo.
Viver de aparências.
Obrigações, responsabilidades, comodismo.
Às vezes as rupturas são necessárias.
São bem-vindas.
Não há demérito em fracassar.
Pior é não tentar.






domingo, 24 de março de 2019



                        REFÚGIO




Vivemos, envelhecemos, adoecemos
a qualquer tempo, 
a qualquer momento tudo muda.
Nada temos, a não ser a ilusão de termos.
O amor nada mais é do que a inconsciência 
de que nada nos pertence.
O amor no desamor se esgota. 
Resiste o tempo de ao outro conhecermos, 
de nos mostrarmos tal qual somos. 
Dizer "eu te amo" e não demonstrar com ações, 
honestidade de propósitos, 
o amor corrói, o fim apressa. 
A imaginação nos trai.
Os pensamentos conspiram. Nada nos satisfaz.
Até perdemos aquilo que não nos bastava : tudo.
Como Fausto, 
vendemos a alma ao diabo para saber.

Vendi a minha à troco de nada.
Onde me encontro é onde não queria estar.
Vida vulgar, vida sem nexo, 
sem ter para onde ir, para onde fugir.
Quero voltar mas não tenho para onde voltar.
Todas as portas se fecharam.
A impossibilidade de um novo existir me subjuga.
Não me concebo mais amando. 
Ferido, acuado, vejo o tempo passar 
como o caçador espera a caça - a morte.
A morte, o caçador.
Eu, a caça.
Haverá refúgio para mim ?











                      VERDADES







O que escrevo, sinto-o de verdade.
O que não significa 
que o que escrevo é verdade.
Pode ser como pode não ser.
Depende do momento.
Depende de como me sinto.
Cada dia com suas verdades,
cada dia com pensamentos diferentes.

O que eu sinto é muito conflitante,
um querer e não querer que não se sustenta,
baseado na certeza de nada.
Baseado em falsas premissas,
em coisas enganosas, em mentiras, trapaças
inimagináveis.
Como ter certeza de alguma coisa, sem poder 
acreditar em ninguém, em nada ?

O que escrevo, sinto-o de verdade, são as
minhas verdades.
Infelizmente precárias, 
sujeitas a reparos, às vezes ferinas, 
quase sempre recalcitrantes. 
De qualquer forma, cumprem sua função.
Escrevo para mim mesmo, 
ainda que inspirado em outras pessoas, 
evocando coisas mal-resolvidas
que me infernizam a vida.

São desabafos e libelos sinceros, mas
que não servem para nada.
Pois não mudam nada.
Ao contrário, incomodam, ferem.
Mais prejudicam do que me ajudam.
na medida em que me exponho, 
especulo, tateio no escuro.
Deixam entrever o que há de pior em mim.
Quem precisa de inimigos quando seu maior
inimigo é você próprio ?

Alguém que se auto-sabota.
Queima pontes.
Põe fogo nas vestes.
Se imola, se isola, 
um caso perdido.
Não obstante, 
escrever é só o que me faz sentido.
O que me mantém vivo.












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