sábado, 8 de junho de 2019



                            O AMIGO DAS TARTARUGAS 






Hoje, não resisti, ao me deparar novamente com aquela figura estranha, que há três semanas vejo sempre no mesmo local, na altura da ponte dos práticos, no calçadão da Ponta da Praia. 
- Qual tua história, cara ? -, fui logo perguntando, curioso e intrigado.
"Desculpe perguntar, mas tenho visto você direito nesse mesmo lugar, sentado na mureta, você passa o dia aqui ?".
- Sim, tenho ficado aqui, enquanto espero...
"Mas o que você está esperando ? Pelo jeito, você é de fora, nordestino talvez, pelo jeito do chapéu?"
- Sim, sim. Sou de fora. Vim para cá em busca de novos ares. Espero conseguir algum trabalho, um lugar para morar.
"Você está dormindo aqui ?"
- Sim, naquele banco do ponto de ônibus...
"Caramba. Difícil, hein ? E mesmo assim, bem disposto, alegre. Vejo você cumprimentando todo mundo. Outro dia vi que estava removendo o lixo do canal do estuário".
- Sim, desde que cheguei aqui, esse tem sido meu trabalho. Você não imagina quanto tem de lixo acumulado só nessa parte. Aproveito quando a maré está baixa e vou retirando o que eu posso. Jogo aqui na calçada, depois as mulheres passam e recolhem. Se eu tivesse onde recolher o lixo, fazia isso também", comentou, com a expressão séria. 
- Estou dando minha colaboração para preservar a natureza. Santos, um lugar tão bonito, que eu sempre quis conhecer, fiquei chocado de ver quanto entulho tem enterrado nessa areia. Coisas que vão se acumulando, peças de todo tipo, pedaços de ferro. Mas o pior de tudo são os plásticos. É o que me dizem minhas amigas, as tartarugas...
"Como assim, dizem ? Elas falam com você ?".
- Claro. Na língua delas. Entendo direitinho. Elas até sorriem para mim, sabem que estou livrando elas daquela sujeira.
"Poxa, legal, impressionante, cara. Como é mesmo seu nome ?"
- Marquinhos.
"De onde mesmo você é?"
- Hummmm. Vim de longe, deixei tudo para trás, casa, família. Precisava mudar de ares".
"Tá certo. Prefere não falar."
- Sim. O passado não me interessa mais".
"Tudo bem, eu entendo. E como entendo ! Espero que você consiga logo se estabelecer, morar em cima dessa mureta não deve ser fácil...",
brinquei, pedindo licença para algumas fotos.
- Tranquilo. Pode bater uma de nós dois. E agradeço o que puder fazer por mim -, exclamou, com um jeito altivo de quem ainda não perdeu a fé na humanidade. 
Oxalá não se decepcione. 



  


  




                        INOCENTES, QUASE VÍTIMAS






Somos todos inocentes.
De qualquer crime. De qualquer maldade.
Inocentes, quase vítimas
no grande tribunal do juízo final.
Hitler, Stalin, Jack, o estripador, Genghis Kahn, 
meros instrumentos, anjos exterminadores,
quando não, apóstolos diletos do Criador.
Heresia ? Certamente.
Monstros aos olhos humanos, sob as dúbias leis
e critérios que norteiam humanidade.

Quem os criou, como se criaram, em que circunstâncias,
sob quais motivações, pouco importa.
Monstros indefensáveis, sem dúvida, 
num mundo feito e regido pela barbárie, 
desde os primórdios.
Maldade, ódio, destruição, são parte da criação,
peças-chave no processo evolutivo.
Não é possível ignorar que as grandes transformações
se deram muito mais à ferro e fogo
do que por meios pacíficos. 
A força sempre foi mais persuasiva do que a conversa.
Tudo gira em torno do livre arbítrio.
O senso das coisas. 
A noção que podemos fazer, até onde podemos ir.
Que por sua vez é regido pelas leis.
Que por sua vez, estão sujeitas a interpretação dos homens.
De seres falíveis, que embora em tese, doutos, sábios, 
ponderados, como se supõe de magistrados,
estão longe de garantir que a Justiça seja feita.
Basta ver os disparates que emanam da Suprema Corte
tupiniquim.

Longe de mim bancar o advogado do diabo.
Sugerir que tudo possa ser perdoado. 
Que haja atenuantes para crimes e delitos deliberados e
premeditados, de toda natureza.
Digo apenas que é preciso cuidado ao se emitir juízos, 
julgamentos sumários, promover linchamentos públicos.
Há mil fatores a considerar. 
Ninguém sabe o que acontece entre quatro paredes.
Ninguém está livre de um dia ser réu.
De se ver na condição de acusado.
De cometer delitos.

Imagine-se alvo de um hipotética aposta entre Deus
e o Demo.
Você, uma pessoa do bem, honesta, íntegra, 
submetida a toda espécie de tentações. 
Como Jesus nos 40 dias que teria ficado isolado no deserto.
Até onde resistiria a promessas de poder, luxo, luxúria ?
Ora, tudo na vida é circunstancial. 
Tudo pode acontecer. Ou nada.
Rezamos para que coisas boas aconteçam, mas só rezar
não adianta. 
Só boas intenções não adiantam.
Ser bom não adianta.
Ser feliz é uma quimera.
Viver cada momento é só o que conta.
É só o que temos.
De preferência, nos abstendo
o quanto possível de julgamentos.

O próprio Deus não existe. 
Não da forma como nos ensinaram.
Deus está dentro de nós. Em cada um de nós.
Projetado em nossos valores, 
naquilo que somos e fazemos.
É a nós mesmos que devemos prestar contas.
Se eu estiver errado, 
já vou de antemão me arrependendo,
para que Deus tenha piedade de mim.
E me perdoe, me faça justiça.
Algo que aqui, 
seres que se julgam superiores se negam a fazer.





  




































quinta-feira, 6 de junho de 2019


                 
                      A JUSTA LEI MÁXIMA




Não se preocupe à toa. 
Nada vai dar certo. 
Nada acontecerá do jeito que você espera. 
Não vai acontecer nada de extraordinário, 
que mude a sua vida para melhor.
As coisas não vão melhorar, ao menos a curto prazo.
E não sem muita luta e sacrifício, 
pois a chamada sorte grande 
é para uma ínfima minoria que a gente só ouve falar
ou conhece á distância.
Aguente firme, espere sempre pelo pior,
alguma rasteira, golpe, calote, pois vigaristas
e mentirosos é o que mais têm.
Prepare o espírito, o bolso, cuide da saúde, porque 
as probabilidades estão contra você. 
As leis de Murfhy regem nossa existência.
Nada é tão ruim que não possa piorar...

Não se trata de negativismo, 
muito menos de pessimismo.
É única e tão somente a grande realidade.
É como as coisas são na grande maioria das vezes.
De que adiante se iludir, seguir os mantras 
da prolífera indústria da auto-ajuda, 
ter fé, e os escambaus quando na prática,
pouco ou quase nada de bom acontece.
E quando acontece, a conta logo chega.
O máximo que podemos aspirar 
é que as coisas não piorem,
mas, infelizmente, quase sempre pioram.

Segundo um escrito caldeu datado de 2.000 anos A.C.,
a Justa Lei Máxima da Natureza 
prevê que os acontecimentos
bons e ruins em nossas vidas se equivalham. 
E que, para as pessoas de bem, lúcidas e proativas, 
por uma cortesia dos deuses, os acontecimentos
favoráveis são em maioria.
Pense a respeito. Se as coisas boas são majoritárias em sua vida. 
Porque se não forem, vai ver 
é porque você não está fazendo por merecer.
Nem eu. 













  




quarta-feira, 5 de junho de 2019




                             a carne é fraca







O amor vem de supetão ou de mansinho,
Com seus jeitos e trejeitos.
Conheço-os de longa data.
As máscaras, os engenhos, a lábia.
Um engodo só.
Ardiloso e sorrateiro,
Não mais me engana.
Zombeteiro, irônico,
Amor que queima as pestanas,
Usa bandana, sandálias havaianas.
"E um torturante bandeide no calcanhar",
Amor que arde e se desfaz em cinzas, 
Que emerge dos mares,
Despenca dos altares,
Entra e sai de cena.
Passeia nos parques, anda de patinete,
Dorme nos bancos da praça.
Faz rafting, crossfit, stand up,
Fuma baseado nos jardins da praia.
Amor profano, que despreza a virtude,
Que caminha entre os mortos,
Dorme ao relento.
Às vezes tem pressa, às vezes retarda o passo.
Canta e dança no calor e no frio.
Na falta de dinheiro, desanda.
No desejo capitula.
Amor de renúncia, do golpe da barriga.
De decepções, muitas, muitas, muitas...
Estúpido, ridículo, lúbrico,
Desaprendido da linguagem dos homens,
Ora rasteja, ora viceja no limbo das redes sociais.
Amor que não se comunica
e se estrumbica, depois de corrompido.
De hábitos devassos, confissões patéticas,
Viaja a lugares imaginários,
De um mundo enorme e rachado.
Na escuridão reverbera,
Como líquido circunda,
E se dilui na riqueza, na busca insatisfatória.
Posto que tudo é falso, 
Nesse amor aviltado, precificado, de desejos nunca satisfeitos.
Que se esborracha no chão, como fruta madura.
Amor que faz das tripas coração, 
Que brilha feito estrela solitária,
E se apaga na noite sem inocência.
Amor de esperanças que malogram mas renascem
Em imposturas, sinecuras, rastejando entre no limpo, 
Para esquecer outro amor sem compostura.
Amor desfigurado e calculista, que corta fundo
Como o talho frio de uma navalha.
Expurgado, regenerado,
Ei-lo que de novo chega.
A carne exige. 
A carne é fraca.

                                        A               A                                          M        M
                                             O   O
                                                R
       A           M          O
         A        M        O
            A     M     O               A  M  O                              R OOOOOOO M                    R                                    R                        M
                    R                                 R                              M                    R                              R                                    M
                    R                            R                                         M
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR







terça-feira, 4 de junho de 2019



             eterno, porém desabitado







Ah, a renúncia à toda procura,
o princípio e o fim precipitado 
em magoado alvoroço.

Penei mas ao malogrado amor sobrevivi.
Conquanto tudo o que não passa, 
não morre.
Continua eterno.
Eterno e proscrito.
Eterno e maldito.
Eterno, na memória pétrea que resiste aos tempos.
No mundo desintegrado que habito.
Nas garras inefáveis do destino, 
nas defuntas crenças.
No amor desabitado e fluído,
todas as verdades que já não importam.  














domingo, 2 de junho de 2019


                               GENTE


Curioso, quanto mais rogo à Deus para me livrar de todos os males e falsidades, mais isolado fico. 


Às vezes fico em dúvida se só há gente falsa e desonesta nesse mundo. Em outras, tenho certeza. 

Não há defeitos que não possam ser perdoados. Exceto os de caráter.

Somos causa ou consequência ? Nunca saberemos.

Se a falsidade fosse uma doença mortal, o planeta estaria salvo.

Não deixa de ser emblemático que o ser humano se assemelhe tanto a três das espécies mais repelentes da natureza : a barata, pela capacidade de adaptação; o rato, por viver na sujeira e no esgoto; e a cobra, por motivos óbvios.

Ninguém ao outro conhece. O que vemos nos outros, é o que somos.(A lei do espelho) 










                             dona Martha



"Olha, filho, não bastasse a gente saber que se tornou um estorvo, sem serventia alguma, é triste se ver descartada da vida que era a sua vida, como se fosse uma roupa ou objeto velho. Por pessoas que são a sua família, para as quais você se doou e se dedicou enquanto teve forças. E que agora, mal se lembram de você. Talvez achando que já estão fazendo muito ao manter você num lugar como este. Esquecendo do principal, atenção, o calor humano."

Nas imediações do shopping Praiamar, há algumas moradias adaptadas para abrigar idosos, as chamadas casas de repouso, ou Home Care, e outros eufemismos para o que no jargão popular conhecemos como asilo. Na rua em que costumo estacionar, há uma até bem bem bacana, um sobrado grande e moderno em que me habituei a ver os velhinhos sentadinhos no grande corredor que servia de garagem da residência. Muitas coisas me passam pela cabeça ao vê-los assim, quietinhos, olhar perdido, em que estariam pensando ? Como estariam se sentido ?
Pois outro dia não resisti, e ao ver uma senhorinha miúda, o cabelo quase todo embranquecido mas bem cuidado, distraidamente apoiada no portão de entrada, segurei suas mãos e perguntei : tudo bem com a senhora ? 
Ela se assustou, mas em seguida esboçou um bonito sorriso, e respondeu : "sim, está tubo bem. Olhando um pouco o movimento, para me distrair".
Não foi difícil engatar uma conversa com ela, ainda mais lúcida e simpática como se mostrou dona Martha, o sobrenome esqueci. Falou que estava ali há 3 meses, que era bem tratada, não lhe faltava nada, exceto a antiga vida, o convívio familiar, conforme seu desabafo acima. 
De nossa breve conversa, interrompida por uma atenta cuidadora, não pude deixar de me ver como forte candidato a passar por algo parecido, num futuro não muito distante.  A menos que eu tenha a sorte de seu lobo chegar antes.







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                            a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...