domingo, 11 de agosto de 2019




da série, minha vida virou uma piada.


Dia dos pais, vou buscar meu filho para passar o dia comigo.
O presente, me surpreende : uma garrafa de Desejo, um de meus vinhos preferidos.
"A mãe disse que é seu vinho predileto", diz ele, enquanto eu viajo, poxa, a primeira vez em um ano e meio que ela se mostra amistosa.
Bom sinal, penso, e de tão alegre, resolvo abrir a garrafa hoje mesmo, para acompanhar o caprichado fettucine ao molho de camarão. 
Mas ao retirar o lacre, noto que a rolha está borrada de vinho, o que costuma acontecer quando a garrafa fica muito tempo na horizontal, e de fato, ela esfarela toda ao giro do saca-rolha. Comento com ele : filho, se o vinho azedou, vai ter que levar a garrafa de volta para ela trocar onde comprou.
"Ih, pai, não vai dar".
"Como assim, não vai dar, esse vinho é caro, não dá para perder assim de bobeira".
"Sabe o que é, pai. Você não deve lembrar, mas esse vinho é do seu tempo, que você esqueceu de levar quando saiu de casa".
"Quer dizer que você me presenteou com um vinho que já era meu?'
"É, pai, foi a mãe que mandou."
Menos mal que o vinho não azedou. Nem estava envenenado ...











  





                              FERREIRO




O amanhecer é sempre mais penoso.
Acordar no quarto vazio,
no gélido langor da chama extinta.
Lidar com o avassalador vazio existencial.
Onde o botão para desligar os pensamentos ?

Já não tenho palavras para expressar o que sinto.
A angústia por algo que continua vivo.
Adrede, me quedo resignado.
Nada mudou enquanto eu dormia.
Morro um pouco a cada dia.

Às vezes penso que consigo
Esquecer de antiga vida.
Em consolos vãos, prazeres fugazes.
Mas as lembranças logo retornam.
Temo que sem elas, seja ainda pior.

E assim vou levando.
Na faina rude, 
na lassidão da nova vida, 
subjugar a mente.
Como um ferreiro a malhar o ferro frio. 











sábado, 10 de agosto de 2019











               sobre dúvidas


Na dúvida, fique na cama.


A dúvida é a verdade aprisionada.


Quem ama, duvida. Só os tolos não duvidam.


Quanto mais eu vivo, mais eu duvido. De tudo.


A dúvida é a ante-sala do conhecimento.


Simples assim : na dúvida, diga não, e a verdade aparece.


Antes a dúvida do que o arrependimento.


Entre a dúvida e a certeza, às vezes é melhor nem saber.











sexta-feira, 9 de agosto de 2019





                           dúvida (2)







Na dúvida, não faça.
Não acredite.
Duvide.
Cale e espere.
Não se apresse.
Pense, reflita,
as coisas não são o que parecem.

A verdade é um bicho esquivo.
É o livro que não foi lido.
A ponte dos suicidas.
A corda do enforcado.
A lanterna dos afogados.
A última bala na agulha.

A verdade é cruel.
A verdade é cega.
A verdade fere.
Daí dela fugirmos.
Daí nem sempre a reconhecermos.

Na dúvida, portanto, não faça.
Não acredite.
Duvide.
Ponha à prova.
Pois agindo assim, nada perderá.
No máximo, o amigo. 
A namorada trambiqueira. 














               perdas e ganhos




Por que te lamentas ?
Do quê reclamas ?
Tens a vida que mereces.
A mocidade se foi, os sonhos se perderam,
mas a vida continua.
Nem tudo se perdeu.
Tens filhos, disposição, saúde.
Entre perdas e ganhos, estás no lucro.

Tudo somado, as coisas que te incomodam 
valem menos do que as boas lembranças.
Palavras duras, decepções, ingratidão, 
só servem para envenenar o espírito.
E esses retratos da família, que ainda conservas,
atestam o que a memória amarga teima 
em solapar.

Tempos de alegrias, tempo de despedidas, 
dia virá em que no mesmo esquecimento 
tudo se fundirá.
Fracassos, dignidade, paz de espírito : 
cumpriste bem o teu papel.
Se mais não fizeste, é porque 
nunca fazemos o suficiente.
Se não durou, é porque
o eterno amor une e separa.
















quinta-feira, 8 de agosto de 2019


                                       VIDA BOA





Na vida que se arrasta, e nos leva de arrasto, o que mais almejamos 
é paz, sossego.
Vida boa.
Luxo, prazeres.
Ou seja, coisas que entorpecem ou envenenam a alma.
Porque não fomos feitos para a calmaria.
Ócio, extravagâncias, luxúria, nos enfraquecem.
Precisamos de adrenalina, desafios, ocupar o corpo e a mente.  
Do contrário, adoecemos, definhamos.
É natural querer conforto, crescer profissionalmente, 
estabilidade financeira. Usufruir do trabalho e do esforço 
para subir na vida.
O diabo é que a acomodação e os excessos matam 
mais depressa.
Curtir a vida é bom e necessário, mas ter metas e objetivos,
manter-se produtivo, é melhor ainda.  








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