domingo, 25 de agosto de 2019





                  ANOS DOURADOS






Ah, que saudade de quando tudo parecia
simples e descomplicado.
A vida lentamente fluía. 
A doce irresponsabilidade dos anos dourados.

Lembranças pungentes,
que embalam a melancolia do presente.
De quem vê tudo ausentar-se.
Os sonhos que sonhei.
Os amores que perdi.
As certezas pueris, 
estáticas,
batendo asas como um colibri. 





                        
           PEIXE FORA D´ÁGUA






A vida nos faz ser como somos
ou já nascemos predestinados,
geneticamente programados para o quê
viermos a ser ?

Vai da sorte, do destino de cada um,
deliberar a cota de prazeres e dores
de ser o que se é ?

Ninguém sabe.
Apenas especulamos.
De concreto mesmo, só a irredimível certeza 
de que do ser humano, tudo se pode esperar.

É dentro desse espectro que tudo acontece.
Por maior e mais íntima que seja a convivência,
estamos sempre sujeitos à surpresas e revelações.
Coisas aleatórias, inesperadas.

Mentiras, golpes, traições, tudo passa pelo 
aniquilamento gradual e sistemático da virtude. 
Tudo que nos é ensinado de bom e virtuoso vai sendo
aos poucos desencorajado e desmantelado vida afora. 

Integridade de princípios, senso de justiça, confiança, 
cada vez mais anacrônicos frente à escalada brutal 
da inversão de valores, 
ensejada pela modernidade líquida e frívola reinante. 
Marca registrada da era digital, em que a busca por conforto, 
prazer, poder, paira acima de tudo. 

Uma época em que eu, 
positivamente, 
me sinto como um peixe fora d água. 
























sábado, 24 de agosto de 2019




                           ANSEIO







"Eu estava dormindo e acordaram-me",
e me vi sozinho e perdido
num mundo em que tive que aprender
tudo de novo.
Mas tudo tão estranho
que sonho
ser tudo um sonho
do qual despertarei 
para meu pacato antigo mundo.



sexta-feira, 23 de agosto de 2019



                  a ilusão de ter sido







Não choro a tua partida.
Despedidas são uma constante na vida.
E a gente não perde o que não tem.
O que não nos pertence.
O que nunca foi nosso.

O que tivemos foi a ilusão de ter sido.
No fim, apenas momentos, 
fragmentos de um todo.
Que se perderam como tudo
o que não tivemos,
o que um para o outro não fomos. 



terça-feira, 20 de agosto de 2019



                     

                     

                              a fila anda





A fila anda, diz a galera, 
partindo para outra
como se troca de roupa.

Relações fluídas, orgásticos fluídos
passam céleres.
Curtir sem culpa é a ordem do dia.

Corpos, amores vem e vão.
Vidas da memória se apagam.
Tudo logo superado, esquecido.

Não sei mais o que sinto,
o que pensar, o que esperar.
Num instante tudo muda, 
mal dá para acompanhar.

De manhã, tem-se uma vida.
De repente, não mais.
No smarthphone, no wats ap,
na mensagem indevida,
a vida dupla se revela.

O tempo voraz as ilusões engole.
Nenhuma certeza, a vida na corda-bamba.
Relacionamentos, empregos,
as insatisfações que afloram.
O encanto logo se quebra.
Paciência, compreensão, logo acabam .
E o frágil amor já era.

A fila anda, 
já há outro à espera.














domingo, 18 de agosto de 2019


                      desconstrução                              






Uma a uma, as coisas se perdem.
Confiança, cumplicidade, amor, quando se vão, 
não se recupera mais.
O fim do amor atormenta.
A separação abala.
Piorar ainda:
a desconstrução
de tudo que foi vivido.
O passado manchado, dilapidado, adulterado.
A culpa e o castigo que cruciam.

Ganhar e perder, perder e ganhar, 
faz parte, é a vida.
Ver tudo sumir,
ah, como machuca, derruba. 
Buscar forças onde não há.
Apelar para tudo que possa ajudar.
Consolo para o quê só o tempo pode amainar.

Não, não é o fim do amor que mais pesa.
Não é a separação que mais incomoda.
Às vezes é inevitável, a melhor solução.
O que fustiga e corrói 
é a dúvida sobre a autenticidade das coisas.
A desconstrução de tudo aquilo que ficou para trás.
O que por tanto tempo pareceu autêntico e inquebrantável, 
pequenas e grandes coisas, uma a uma,
transformadas em indiferença, ressentimento, 
desprezo.
Em pesada, rude desdita.







                         fluido e frívolo






Chega a ser assustador constatar a superficialidade e efemeridade das coisas nesses tempos de modernidade líquida, como bem definiu o filósofo polonês Zigmunt Bauman. Uma época de relações rápidas e fluidas, em que tudo fica para trás e mal dá tempo de assimilar o que se apresenta, acentuando a frivolidade comportamental que afeta os próprios sentimentos mais nobres, como o amor, a amizade, os vínculos familiares.

Como se diz, é impressionante como a fila anda, e cada vez mais gente prescinde do convívio e dos relacionamentos tradicionais, não exatamente por desinteresse ou egoísmo, mas em função dos novos padrões inerentes a esse processo. Mal dá tempo para curtir o momento, tal a alternância e o ritmo acelerado das coisas, daí a impressão de estar tudo passando rápido demais.

Ainda estou aprendendo a lidar com essa fluidez, me adaptar as variações que desafiam meus antigos valores, e sobretudo, essa superficialidade que beira o descaso, o desprezo, a renúncia a compromissos e comprometimentos. Não poder confiar é para mim um preço muito alto à pagar, sejam quais forem as vantagens e facilidades desses tempos em que a transitoriedade das coisas só serve para agravar ainda mais o vazio existencial.

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