quinta-feira, 19 de setembro de 2019





                    sofisma


Quem cala consente ou é sábio ?
Se não cala, não consente nem é sábio ?
Ou é sábio calando sem consentir ?
Ou consentindo sem calar, 
é sábio por consentir ou não calar ?


quarta-feira, 18 de setembro de 2019







                REPETITIVA E CANSATIVA






Na modernidade líquida,
a vida desidratada.
Tudo rápido e fluído, 
à escorrer entre os dedos.
Nada se retém.
Nada se detém.
O que se ganha, se perde com a mesma
facilidade.
Gosta-se e desgosta-se.
Ama-se a desama-se 
A transitoriedade dos sentimentos
na dispersão dos interesses.
Os relacionamentos diluídos no mundo virtual.
Conhece-se todo mundo e não se conhece ninguém.
A banalização de tudo.
As aparências não enganam.
Altas autoridades são os primeiros a prevaricar.  
Embustes, farsas, 
inocência e ignorância, tudo misturado.

As relações, repetitivas e cansativas.
As dores, repetitivas e cansativas.
A vida, repetitiva e cansativa.
Os reveses, as insatisfações, corroendo silenciosamente
as entranhas.
Quando se vê, o enfarte, o câncer.
E o mundinho desaba. 
A cota de oportunidades se esgota, 
na falta de perspectivas, nas expectativas frustradas.

Vivendo sem viver, 
a vida desperdiçada sem razão de ser.
Sem nada de que possa se orgulhar ou fazer.
A não ser a consciência suprimir,
e continuar fazendo de conta
que está tudo bem. 
Que nada tem do que se envergonhar.
Ninguém liga mesmo.
Um filho da puta a mais ou a menos 
não faz diferença.


















O grande problema dos falsos e mentirosos
é que são desinteressantes,
sendo apenas o que são. 
Precisam de artifícios para passar 
pelo que não são. 





terça-feira, 17 de setembro de 2019





                     acasalamento                  





  

Pássaros madrugadores riscam a noite.
Algo está errado,
que diabo está havendo?
Essa cantoria
às 3 da manhã,
isso são horas para tamanha algaravia ?
Ainda que por uma boa causa ?

Ora, Ivan, deixa de ser ranzinza,
me adverte um amigo. 
É época de acasalamento, 
acaso já não fizeste loucuras 
pelo mesmo motivo ?




segunda-feira, 16 de setembro de 2019


                                                   
                             libertação







De tudo que me era mais caro, 
pouco ou quase nada restou.
Perdas, privações, ausências, 
da vida que partiu-se ao meio.  
E o que agora se impõe, 
diante da inexorabilidade das coisas,
é desapegar-me da inútil bagagem, de tudo que pesa
e para mais nada serve.

E assim, os mistérios e falsetas ignorar,
posto que indecifráveis, inevitáveis.
As pequenas conquistas valorizar, 
dentro do que hoje me é possível alcançar.
Os infortúnios e decepções aceitar 
como um preço à pagar. 
Sem lamentar, sem me abater, 
em sendo o infalível contraponto 
que a vida embute. 

Ser o que é possível ser, sem vínculos, expectativas.
Às crenças e sentimentos coercitivos abdicar.
Renunciar ao que não faz bem,
ao que não nos pertence.
No incognocível, conhecer-me.
No declínio, ascender a um novo patamar.   
No vazio, a plenitude achar.  
E sobretudo, a libertação de tudo que ficou para trás.
Para o futuro, sem futuro, de cabeça erguida enfrentar.





  
  







sábado, 14 de setembro de 2019



                                                            repulsa






  
Ah, essa súbita e abençoada resignação.
Na evasão dos anseios e antigos sentimentos.
Por já não ver as coisas como via.
E sim como são.
A inutilidade de compreender, decifrar
O que foi irremediavelmente perdido.

Não, não serei mais motivo de chacota. 
O que sinto agora é um horror repentino. 
Uma repulsa incontida 
das coisas imundas que agora se revelam.
Nojo, aversão daquela
que com seus latos e andrios artifícios,
por tanto tempo
a mais torpe realidade escamoteou.

Resignado, purgo meu castigo.
Perdido o que eu tinha e o que julgava ter,
um pedaço de mim deixo para trás.
Um dia a verdade virá à tona.
O tempo me fará justiça.
Ainda que postumamente.
Posto que a vida, mais vazia, 
Com tua ausência mais se abrevia.  

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                                            segredos de Polichinelo





               
Nada é o que parece,
e o que é, 
não é confiável. 
Daí a denegação sistemática de uma realidade que nos oprime.
Ou não  ?  De repente, é exatamente o contrário.
Complicados somos nós. Nós é que não vemos
as coisas como realmente são.
Que na verdade, são o que não são.

Em conjecturas mil nos debruçamos,
diante do aleatório, a mente consciente, 
consciente de nada. 
A vida ardendo a cada momento.
Na metafísica das pocilgas e charcos 
em que nos embrenhamos, o depravado mundo 
exige que o sacrifício
seja lento e injusto.

Equilibristas na corda bamba da existência,
entre a cruz e a espada nos esgueiramos.
No holograma da vida, o nexo, o sentido
e o pressentido, enrodilhados no tempo.
Cumpre viver o intenso momento.
Apartados do que passou, do que não existe mais. 
O que virá,
à Deus ou ao demônio pertence.


Sim, porque em todas as coisas, 
há um lado bom e um lado ruim.
Um lado bom e um lado ruim nas pessoas.
Que sorriem e sofrem,  
enquanto o tempo destruidor age.
O espírito torturado engendra mecanismos 
para tornar a vida suportável.
Abscôndita, a balança pendendo entre o vivido e o inventado.
Nas hospedarias da ilusão refugiada.

Segredos de Polichinelo : 
aperceber-se do lado bom nas coisas ruins. 
De quando os sentimentos deterioram,
as relações acabam, 
poder livrar-se da carga tóxica que agregam.
E depurada as coisas, 
superar os traumas e culpas, 
a vida torrencial nem à Fausto, nem à Mefisto consagrar.

Não obstante, eis que hoje me vejo compelido
a ser o que não sou. 
Os grandes e nobres propósitos em nada me ajudaram.
Para nada se prestaram.
O mundo é para quem não tem escrúpulos,
e não para quem acalenta sonhos impossíveis.
Ante a inutilidade de tudo que aprendi,
ascender à anódina indiferença.
Vencido, porém lúcido.
À conspurcada realidade aderir. 
Graças a ti, desci ao fundo do poço. 
Não era o que querias ?
Destruir todos os resquícios do amor,
degradando-o ?















  

















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