domingo, 5 de abril de 2020





           
     o beco do gato







O Grande Irmão foi passado para trás.
Pode tudo ver, a todos vigiar, mas não manda. Não decide.
Sabe até a cor da cueca da gente, mas quem escolhe o modelo,
quem decide o que comemos, no que acreditamos, é alguém ainda mais invasivo e poderoso.
Além de onipresente e onipotente, se infiltra, se imiscui, 
penetra em nossas mentes, adestra, tange, faz a nossa cabeça, 
nos condiciona, transforma, influencia, avilta, prostitui.
Nada se compara a seu poder.
Nem o céu é o limite. Tem tudo armazenado, a tudo
devassa a um simples toque de dedos.
Fala todas as línguas mas só obedece aos algoritmos. 
Cujo domínio pôs o mundo nas mãos  de semi-deuses cibernéticos, que nem o Grande Irmão preconizado por Orwell faz frente. 
A Internet é a novilíngua por excelência,  a verdade reinventada ao gosto do freguês.
É a mentira institucionalizada que permeia a política, o comércio, 
a religião, o jornalismo.
Nem as relações pessoais escapam.
Sobretudo, elas.
O último refúgio da humanidade, que sob a ótica distorcida 
da realidade virtual, se vê como no espelho grotesto
do Beco do Gato, de Valle-Inclán.
Onde a sós e desarmados, nos imaginamos, incautamente,
melhores do que somos.












































sábado, 4 de abril de 2020




                            a lei das selvas






A vida exige que tiremos forças de onde não há.
Que tenhamos a sabedoria que só o tempo ensina.
Que sejamos compreensivos, solidários,
resilientes.
Mesmo sendo desencorajados
de todas as maneiras.
Por tudo e por todos.
Posto que nada nem ninguém
é confiável.

Ah, a vida ! Sempre a exigir, mais e mais.
Nunca se satisfaz.
Nunca encontramos paz.
Sempre há pecados a pagar.
O que vai dentro de cada um, é um mundo
insondável, miserável.
Que tentamos de todas as formas disfarçar.
Para não se expor.
Pois quem se expõem, se fragiliza.
Quem fraqueja, sucumbe.
No fundo, tudo remonta à velha lei
das selvas.
Comer ou ser comido. 













                                     
                   Lobo solitário



                     




































sexta-feira, 3 de abril de 2020


 





















A ausência consentida não deixa saudades,
às vezes nem rastro.
Sequer os íntimos momentos demoram-se
na memória 
mais do que as mágoas.
Livres de ser o que o extinto amor
nos fez ser, enfim
nos redescobrimos.
Perdidas as crenças todas no que fomos,
íncubos e súcubos das profanas inconfidências
emergem das coisas que já não se resolvem.

Melhor seria calar.
As palavras desmoralizadas já não
surtem efeito.
Na crispação dos sentimentos desfeitos, 
a negação de tudo.
Infindo e sepultado, o amor é uma carcaça
que apodrece.
No calcinado e purgativo lugar
repleto de fúria,
ainda arde a dor 
do que nunca fomos.
A semente que não vingou  
sobrevive à consciência do mal
que nos infligimos.
  













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