sexta-feira, 15 de maio de 2020
SINFONIAS DE EUS
Há várias versões de mim
me precedendo.
A farsesca, a melodramática, a performática,
a beligerante...
A verdadeira não sei onde foi parar.
Nem sei direito como é.
Talvez um pouco de cada.
Pois sou isso tudo, e um pouco mais.
Não propriamente falso, dissimulado,
como muita gente que conheço,
e das quais tenho horror.
Mas versátil, eclético.
Eu e meus heterônimos.
Alguém tão complexo que não sabe
ser só uma pessoa.
Que faz drama, sonha, ama, briga.
Alguém que se desconhece,
que ninguém à fundo conhece.
Que ora se revela, ora se recolhe,
tão habitual e rico de pungência
que só existe prelibando,
agônico, alciônico,
na própria imaginação.
Eu,
sinfonias de eus,
aquarelas de ser,
esquírolas de consciência
à tatear o caleidoscópio da existência.
quarta-feira, 13 de maio de 2020
sinto, logo escrevo
Escrever é meu vício.
É o meu jeito de lidar
com as coisas que não consigo resolver.
Inútil e perfunctório esforço de compreender
o que tecem as moiras.
Dar algum sentido a vida sem sentido.
Escrevo o que busco entender, ainda que
margeando o desejo que cessa e se expande.
Perscrutando os sonhos desfeitos, lúcidos, severos,
que ainda reverberam.
Escrevo para encontrar outro modo de dizer
aquilo que já disse, em vão, de outro jeito.
Há dias mais calmos em que penso não haver
mais nada a dizer.
Que está tudo resolvido, perdido, à falta de argúcia
resignado.
Mas o desassossego é como uma maldição
perseverante, que os mecanismos de defesa
remetem aos confins da alma.
Como convém a meu melodrama chinfrim.
Gostaria de dizer que é para libertar a fera enjaulada,
exorcizar o que ainda incomoda,
decifrar os enigmas que não se decifram a si próprios.
Mas nem sei que ideia faço de mim mesmo.
Não obstante ser a minha maneira de dizer
que a tristeza não me liquidou.
Que uma parte de mim ainda sofre,
mas a outra pede amor.
segunda-feira, 11 de maio de 2020
sobre a pandemia
Para muita gente, entre os quais me incluo, não sei se vai ser vantajoso sair vivo da pandemia.
Privações, falência, depressão, relacionamentos destruídos,
perder tudo, ver o país afundar ainda mais na merda...
Tudo bem, o sacrifício da quarentena é justificável,
salvar vidas, postergar o contágio.
Ainda que só uma ínfima minoria seja efetivamente
beneficiada. Os que podem se dar ao luxo de ficar em
casa.
A única coisa boa da pandemia é poder ver quem
realmente se preocupa com você, pergunta, liga para saber
Tudo bem, o sacrifício da quarentena é justificável,
salvar vidas, postergar o contágio.
Ainda que só uma ínfima minoria seja efetivamente
beneficiada. Os que podem se dar ao luxo de ficar em
casa.
A única coisa boa da pandemia é poder ver quem
realmente se preocupa com você, pergunta, liga para saber
se está precisando de alguma coisa.
Aquele parente rico, que te chama de irmão, quantas vezes
Aquele parente rico, que te chama de irmão, quantas vezes
mesmo te ligou ?
Isolado, sem trabalho, lazer, sem amor, só vendo notícia ruim, manter a sanidade mental é uma proeza.
Para variar, a pandemia só é boa para os políticos e
vigaristas. Sempre dão jeito de se dar bem.
Entre as lições que a pandemia deixa, a constatação de que
Isolado, sem trabalho, lazer, sem amor, só vendo notícia ruim, manter a sanidade mental é uma proeza.
Para variar, a pandemia só é boa para os políticos e
vigaristas. Sempre dão jeito de se dar bem.
Entre as lições que a pandemia deixa, a constatação de que
algumas das ocupações mais humildes podem ser mais importantes que as celebridades, craques de futebol,
famosos em geral. O que mais uma vez atesta
a idiotice da idolatria.
Deve ser só coincidências, mas felizmente não conheci ninguém
que morrido.Tudo o que sei, pelo mórbido inventário diário
de óbitos, é pela mídia, essa mesma mídia podre
que todos conhecem. Perturbador, né ?
Deve ser só coincidências, mas felizmente não conheci ninguém
que morrido.Tudo o que sei, pelo mórbido inventário diário
de óbitos, é pela mídia, essa mesma mídia podre
que todos conhecem. Perturbador, né ?
Me faz lembrar daquela passagem famosa na década de 40,
ocorrida nos EUA, com a transmissão radiofônica de uma suposta invasão da terra por marcianos, uma espécie de pegadinha
do Orson Welles que enganou muita gente.
Ninguém perde por ser cético.
domingo, 10 de maio de 2020
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