terça-feira, 19 de maio de 2020


                     agora e na hora de nossa morte 



                 




O mundo mais uma vez
envolto em maus presságios,
empilha mortos.
Não sabe o que fazer para conter a peste, 
não sabe o que é melhor, 
ficar em casa ou seguir em frente.
É preciso trabalhar mas 
não deixam.
Governantes inescrupulosos anseiam
pelo estado de calamidade pública, para tirar proveito
político e arrombar 
os cofres públicos. Enquanto uma parte do povo diz amém, 
a outra esbraveja, mas é obrigado a se submeter, 
no fim das contas,
todos desaprendidos de ver,
veem e não veem, a prístina ciência dividida, 
as notícias sinistras dão o tom,
todo mundo dá palpite e ninguém tem certeza de nada,
a economia se desintegra mas tudo bem, 
há que seguir os protocolos, 

seja o que Deus quiser.

Assim se cumprem os ritos insanos 
da era cibernética,
em que tudo reverbera e contagia
pior que a pior das pandemia.
A desinformação, o fake news, e a controvérsia
campeiam, 
à dano da massa de deserdados, 
que, como sempre, pagará a conta.
Cota que lhes cabe num mundo cuja essência
se crispa na agonia moderna,
tutelado por crápulas e imbecis,
como foi e sempre será.
Eterna é a ignorância e tudo aquilo
que nenhuma força resgata,
conquanto pareça ser esta a vontade de Deus.
Que cada dia seja de plenitude 
e sacrifício. 
Agora e na hora de nossa
morte. 
Amém.




 



















                           

                 aceitação
                                         

                                 



A temida velhice é como um rio 
sem correnteza,
que me puxa para o fundo,
sem uma mão para me salvar.
Morro um pouco todos os dias que passam
sem mistificação.
Perdido na névoa da ausência de tudo
que me foi importante,
estranho pensar que em
pouco tempo estará tudo acabado. 
Resta apenas um menino suspenso na memória,
e a estranha ideia de não ter mais futuro.

Não direi que estou resignado. Há lembranças
demais para simplesmente deixar de lado.
Minha riqueza está no que vivi, nem o solitário
crepúsculo me fará triste. 
O gosto da derrota é suave, fruto da aceitação 
e do alívio de não carregar mais  
o fardo do amor que fere e mutila.
Já não há para onde ir,
além do voo derradeiro,
silente e melancólico,
rumo à eternidade.
Ao esquecimento.



























segunda-feira, 18 de maio de 2020











Aprendendo a viver
sem as pessoas
que vivem sem mim.















Antes de ligar, de procurar, de mandar mensagem,
dizer que está com saudade,
pensa no depois.
Depois disso...o que vem ?
A solidão novamente. A companhia
temporária ? A mesma dor, o mesmo choro,
o mesmo "quem sabe um dia ?"
Tem coisas que não vale a pena
cutucar, se não, nunca cicatriza.
Tem remédio que ameniza a dor
momentaneamente
mas abre um buraco maior dentro da gente.


(a menina e o violão )





sábado, 16 de maio de 2020



                                                  E tenho dito !







Prefiro o ódio à indiferença.
O desaforo à ironia.
O soco à traição.
A verdade doída a mentira piedosa.
Prefiro o papo reto ao blá-blá-blá.
Encarar o touro à unha à levar desaforo para casa.
Andar sozinho do que mal acompanhado.
Prefiro desagradar pelo que sou,
a ser admirado pelo que não sou.
Não ter um puto no bolso à pedir emprestado.
Prefiro bater de frente à ficar em cima do muro.
Prefiro ser o que sou
a ser o que querem que eu seja.

Por aí se vê como sou indigesto.
Politicamente incorreto.
Que não agrada nem a gregos nem a troianos.
Para o quê estou pouco me lixando,
pois não devo satisfações a ninguém.
A não ser minha consciência.
E tenho dito ! 







                                     das cinzas outra forma toma






Não obstante as rebordosas,
os percalços,
os mil disfarces que assume,
a vida é boa,
a vida pode ser boa.
Conquanto o destino permita,
não botemos tudo à perder.

Ainda que sujos, doentes, volúveis,
somos predestinados à amar.
Mesmo os desafortunados
tem dentro de si a centelha do amor.
Que pode reverberar a qualquer instante,
ou deambular para sempre 
nos confins da alma. 

Erma e vazia é a vida
dos que não sabem amar.
Não conseguem amar.
Nem a vida, nem ao próximo.
Entregar-se de corpo e alma a uma paixão.
Sentir o coração pulsar freneticamente
diante da beleza inebriante da entrega.
Ou do sofrimento alheio, o que 
é ainda mais belo.

A vida que concebemos é a vida que 
merecemos.
Se ao longo do caminho nos perdemos,
e  amar desaprendemos,
ou o amor negligenciamos,
nada nos salva da futilidade trágica da vida.
O imaculado e imperfeito amor,
que no ressecamento dos sentidos,
incapaz de resistir ao tempo,
como tudo que é humano,
adoece, 
perece.
Das cinzas outra forma toma.  







sexta-feira, 15 de maio de 2020


                         


                     SINFONIAS DE EUS






Há várias versões de mim 
me precedendo.
A farsesca, a melodramática, a performática,
a beligerante...
A verdadeira não sei onde foi parar.
Nem sei direito como é.
Talvez um pouco de cada.
Pois sou isso tudo, e um pouco mais.
Não propriamente falso, dissimulado, 
como muita gente que conheço,
e das quais tenho horror.
Mas versátil, eclético. 
Eu e meus heterônimos.
Alguém tão complexo que não sabe
ser só uma pessoa.
Que faz drama, sonha, ama, briga.
Alguém que se desconhece, 
que ninguém à fundo conhece. 
Que ora se revela, ora se recolhe,
tão habitual e rico de pungência
que só existe prelibando,
agônico, alciônico,
na própria imaginação.

Eu,
sinfonias de eus,
aquarelas de ser,
esquírolas de consciência
à tatear o caleidoscópio da existência.
























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