sumiço
Fim de carreira, é o seguinte :
você pode não atender o interfone,
não responder no wats ap, sumir por quatro
ou cinco dias,
e ninguém sentirá sua falta.
um amor maior que o meu
Os dias que passam sem deixar vestígios,
pairam como fugazes reflexos
das coisas que não duraram.
A carne esquecida das venturas e prazeres,
entretida no inútil engenho de dar sentido
ao que o fado ou os astros concedem.
Em cada arabesco do caótico caleidoscópio da vida,
o pesar
pelas coisas
que ignoramos e nos ignoram.
Os amigos, os amores sem rostos,
meu antigo eu está morto, ou quase.
Na dissolução dos antigos elos,
posso ser qualquer coisa.
Um pária, ou devoto
de uma santa causa.
Por isso escrevo.
Para isso rezo.
Para que o amor de Deus seja melhor
que o meu.
Um amor que não só conforte, mas cure.
de mal a pior
É duro ver
que as coisas
não mudam.
Que as pessoas não mudam.
A política imunda não muda.
Tudo indo de mal a pior.
A gente não controla mais nada.
A economia na mão de quem
não tem nada a perder.
A educação dos filhos na mão
de influenciadores idiotas.
O amor precificado.
Você só vale pelo que tem,
pelo que pode proporcionar.
A juventude arruinada pelas drogas,
chafurdando em valores fúteis.
A cultura do lixo "bombando".
Mozart hoje em dia morreria de fome.
Shakespeare teria que mudar o estilo,
escrever mais simples.
Pois quem manda no pedaço é...Paulo Coelho.
O que vende é Cinquenta Tons de Cinza,
Harry Potter.
Certo está o velho safado do Bukowski
quando diz que
"não há nada para discutir.
Não há nada para lembrar.
Não há nada para esquecer.
Alguns acreditam na possibilidade
de que Deus ajude.
Outros encaram de frente.
E à saúde destes eu bebo
esta noite."
Eu idem.
Ser feliz é tudo o que se quer.
Sendo que normalmente já somos
ou temos motivos de sobra para ser.
Sem perceber, sem valorizar.
Começando pelas coisas mais simples.
Como ter uma vida normal.
Ser feliz é tão simples.
A rigor, basta não complicar
o que já é naturalmente complicado.
Atentar para a beleza que nos cerca,
as dádivas, quase sempre gratuitas,
e as mais gratificantes.
No entanto, não fomos feitos para a felicidade.
A vida nos impõe sua tarefa mágica
em infinitas provações.
Sob o jugo da perpétua lei de causas e efeitos.
Que tece e destece o destino.
Cada instante pode ser o primeiro e o último.
No tempo, que é de um e de todos, como diz Borges,
as vigílias humanas engendram artifícios
em que o céu e o inferno se locupletam.
Bem-aventurados os que conseguem ser feliz
sem precisar de uma coroa de espinho.
enganos
Quisera ter olhos para ver
além da dúvida e do diálogo.
Ver além daquilo que vejo e não vejo.
No ensejo da felicidade que não tive,
e que agora sonho que tive.
Naquilo que flui em curso misterioso.
À guisa de lembranças triviais e sagradas
que à realidade devastada se sobrepõe.
Minha cegueira é cárcere e nostalgia
que se eludem, na espera inútil
daquilo que não tive, e nem terei.
Ah, os enganos.
Feitos de ecos, sonhos, coisas secretas
que meus olhos não veem.
Talvez, por preferir o engano
de me deixar enganar
que quem mais amo,
desse amor não é digno.
FÁBULAS
"E conhecereis a verdade,
e a verdade vos libertará." (João 8:32)
Resta saber qual verdade.
A de Deus ou a dos homens ?
Ora, da soma de todas as coisas, pouco ou quase nada vislumbramos.
O saber que perscruta o tempo e plasma
os sonhos, é de metal ou pergaminho.
Tudo que nos é levado a acreditar
não passam de fábulas,
conceitos e fundamentos que fogem
a nossos parcos conhecimentos.
Que o sol brilha exatamente do mesmo jeito
há quatro bilhões e meio de anos ?
Que Deus criou um universo nem começo nem fim ?
E o mais incrível : que se preocupa comigo ?
Com cada um de nós ?
Nunca saberemos qual a verdade,
quem fala a verdade.
Criamos os mitos e os ritos, e os destruímos.
A vil palavra se presta à tudo.
Ao próprio paradoxo de um formidável processo
civilizatório,
consagrado à mentira, as traições.
Da cicuta de Sócrates ao beijo de Judas em Cristo,
erigimos e renegamos nossa fé
antes mesmo de o galo cantar três vezes.
Em atos, pensamentos, ninguém foge à dubiedade
do livre-arbítrio,
que nos dá a terrível potestade
de escolher o mal.
A verdade morreu.
Aliás, nunca existiu.
Tudo se insere nas gongóricas mitologias,
como o fio que Ariadne
pôs nas mãos de Teseu,
para que não se perdesse no labirinto.
Porque tudo se perde.
Tudo é circunstancial.
Estamos sempre querendo livrar a cara,
enganar, ludibriar, tirar proveito.
Na vida envolta em metáforas, em que
sinas e reveses se misturam,
nada nos afeta mais do que a traição
daqueles que mais amamos.
Mas não obstante o horror do ciclo natural
das coisas,
a rosa em outra rosa se transforma.
Na dor, nos arrependimentos,
no olvido,
o passado é o barro com a qual o presente
moldamos.
Não há razão para que dos erros passados
continuemos escravos.
Desde que mudado,
não sendo mais o mesmo que errou.
À luz da pristina ciência, não passamos
de um amontoado de pó.
Coube-nos, por sorte, o dom do raciocínio.
E viver sob a liberalidade de uma doutrina de perdão
que se dispõe a anular o passado.
À invenção de fábulas que conjugam os enigmas
da catarse humana,
cujas palavras mentirosas e pactos rompidos
alimentam o ciclo interminável de desatinos
que nos condena à infâmia.
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...