domingo, 25 de outubro de 2020
minhas outras vidas
Eu vi a chegada dos deuses-astronautas,
que legaram inteligência e barbárie
à humanidade.
Eu fui um dos filhos de Adão e Eva,
tive filhos com minha própria irmã para assim
povoar o mundo.
Eu vi Caim matar Abel por inveja, inaugurando
em grande estilo a sanha perversa da humanidade.
Fui um homem das cavernas morto
por um tigre de sabre.
Eu vi a água subir até cobrir o topo
das montanhas, da proa da arca de Noé.
Eu fui um animal que não existe mais.
Fui animal,
verme, pó, até perdi a conta de quantas vezes,
só não fui Buda.
Eu vivi na civilização mais evoluída que já existiu
na face da terra, que no entanto,
afundou no meio do Atlântico pelos motivos de sempre.
Cuja cultura os gregos resgataram.
Eu fui um dos milhares de escravos
que construíram as sete maravilhas do mundo,
e muito mais.
Que remavam sob chibatadas
nas grandes esquadras, e morriam feito moscas
nas grandes batalhas.
Que edificavam, plantavam, trabalhavam,
como trabalham até hoje,
sob o tacão dos poderosos.
Fui guerreiro de vários exércitos, morto,
esquartejado, queimado, empalado, torturado,
fui herói e covarde, apodreci em campos de batalha,
como também morri gloriosamente,
como um dos bravos espartanos que tombaram
em Termópilas,
na mais épica e desigual batalha de todos os tempos.
Em que os 300 comandados por Leônidas
contiveram
por longos e sangrentos três dias,
o exército persa de mais de 300 mil homens
reunidos por Xerxes.
Mais sorte teve Fernão Cortez, que viu
do alto de seu cavalo - este que vos fala -
um milhão de aztecas se curvarem placidamente,
acreditando estar diante de um deus materializado.
Eles que nunca haviam visto um cavalo.
Meninos, eu vi e participei de tudo o que possam
imaginar, ao longo de minhas vidas.
A ascensão e queda dos maiores impérios.
Povos inteiros sendo dizimados,
genocídios, holocaustos, em nome das causas mais abomináveis.
Vi a flamante Cartago banhada em sangue,
Treblinka, Hiroshima...
Vi o melhor e pior da raça humana.
Fui um dos ladrões crucificados ao lado de Cristo -
o que não pediu perdão.
Fui mártir, covarde, experimentei todas as mortes,
liderei e desertei, traí e fui traído,
amei,
fui amado, odiado, uma infinidade de vezes.
Vivi centenas de vidas mas, querem saber ?
Nunca vi Deus.
um dia como outro qualquer
Um dia como outro qualquer.
Sem nada de diferente.
Sem nada de especial, como um dia já foi.
Na casa de meus pais.
Quando ainda tinha família.
A vida toda pela frente.
Agora que sou só eu e eu mesmo,
não tenho motivos especiais para comemorar
o dia dos meus anos.
Além dos de sempre.
Como, aliás, sempre faço.
Não exatamente comemorar, mas ter
consciência de que bem ou mal,
a vida tem sido boa.
Tenho me virado sem depender de ninguém.
Sem precisar de ninguém.
E hoje em dia, finalmente,
sem esperar nada de ninguém.
Posto que as expectativas frustradas
é que matam aos poucos.
E as que mantenho hoje são absolutamente
realistas.
Só dependem de mim.
De mim e da companhia luxuosa dos joões de barro, sabiás, bentivis,
que me saúdam infalivelmente, mal rompe a manhã.
Como nesse dia dos meus anos.
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
compensações
Saúde
Trabalho
Poucos, porém sólidos,
afetos.
O que mais se pode querer
da vida ?
Nada do que se ganha de graça
presta.
Pois não se dá valor.
Acostuma mal.
Nunca satisfaz.
Nunca ganhei nada
de mão beijada.
Nem o que me era devido.
Mas fui largamente compensado.
Com saúde.
Trabalho.
Poucos, porém sólidos,
afetos.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
momentos
Momentos.
Então,
é só o que ficou ?
Vagas lembranças de uma história
de quase vinte anos
reduzidos a...momentos.
As milhares de palavras
que busquei para tentar entender
e assimilar
um fim tão amargo,
você só precisou de uma
para matar a charada.
Momentos.
Pura e simplesmente momentos, e como tais,
efêmeros,
descartáveis.
O que explica também, é claro,
o distanciamento,
a frieza, a indiferença que tanto
me machucaram.
E tantos versos loucos suscitaram.
Como pude ser tão imbecil ?
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