domingo, 22 de novembro de 2020



            a sina dos deserdados



          


E se eu tivesse  nascido aleijado,

deformado, pobre, preto, doente, mentalmente desiquilibrado,

largado, abandonado, sem um lar, sem uma família,

num buraco qualquer, num gueto, indesejado, 

mal-amado, 

maltratado,

como tantas crianças,

como a maioria das crianças, 

que crescem sob as maiores privações,

sem acesso a nada,

estudo, saúde, 

discriminados,

marginalizados,

sejamos francos,

quem poderia me julgar ?

Quem poderia me condenar 

por não seguir as regras,

aos padrões vigentes,

impostos pela burguesia, pelos poderosos ?

Tive a sorte de ser bem-nascido, nada me faltou,

a vida foi generosa comigo,

o que me obriga a ser minimamente compreensivo

e tolerante

diante da excruciante sina dos deserdados.

Por mais difícil que seja, considerar os atenuantes.

Ninguém é ruim por acaso.

E nem todos são maus por natureza.












  



                             ninguém merece

               ser feliz

               para sempre





A minha melhor lembrança 

é daquela tua alegria escandalosa.

Do teu jeito de fazer as coisas darem

certo, mesmo quando não davam.


A minha melhor lembrança é de como

nos bastávamos, 

mesmo nem tudo sendo flores.

 

A minha melhor lembrança...foram tantas

que se tornaram banais.

Daí, talvez, não ter durado.

Ninguém merece ser tão feliz

para sempre.


  



A vida só muda 

quando a gente muda.


 



                                       o buraco





Quando se têm um buraco no coração

Tudo o que se quer

É que pare de doer.

Não importa como.

O que só com o tempo se consegue.

E olhe lá.

Pois dependendo de como acaba,

nunca passa.

Não enquanto houver mágoa e ressentimento.

A ferida pode até cicatrizar.

Pode até não mais doer.

Mas o buraco continua.










sexta-feira, 20 de novembro de 2020



                    DEUS ME LIVRE DOS AFETOS





Meus afetos me fazem mais mal do que meus desafetos. 

É o preço que se paga pelo amor, pelo apego, pelos cuidados, 

pelas preocupações.

No mais das vezes não correspondidos, 

sequer valorizados.


E o pior é que não se pode fazer nada a respeito. 

O que vai no íntimo de cada um, ninguém sabe.

Ninguém ao outro verdadeiramente conhece. 

Nem mesmo os entes queridos.

Que são os que mais nos decepcionam.  

As vezes sem culpa estabelecida.  

Nós é que os superestimamos. Nos iludimos.


Eis porque rezo a Deus

para que me livre do jugo dos afetos. 

Que dos desafetos me livro eu.







 De todas as cicatrizes, um filho que te volta as voltas

é a mais funda.

De todas as vinganças, a alienação parental é a 

mais nefanda.




quinta-feira, 19 de novembro de 2020



                 doce e singular servidão





Nem todo saber que perscruta o tempo incessante

é capaz de conciliar 

as mais preciosas dádivas : amor e liberdade.

Amar é a mais doce e singular servidão,

posto que consentida. 

Abre-se mão da liberdade, como no paradoxo do eleata,

em nome da ilusória doação incondicional.

Amor de entrega, que persiste,  não obstante feito 

de devoção e guerra. 

Pois não há um instante em que não possa ir

do Paraíso ao Inferno.


Não há liberdade no amor.

Não há liberalidade no enleio amoroso.

Ninguém conhece o mapa da alma de uma mulher, 

como já cantou alguém.

Como tudo na vida, da empolgação à decepção, 

é só uma questão de tempo.

Tudo nos remete ao adeus. 

O que nos parece divino, dura o tempo 

que duram as fugazes magias.

Fazer durar em meio a tantos antagonismos 

é como tatear às cegas.

Arriscando-se à tudo.

Sem certeza de nada.









  




 

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