segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
PERDAS
Nada mais difícil do que lidar com as perdas.
Seja por quais motivos forem.
Para as quais nunca estamos suficientemente preparados.
Mesmo nossos velhos que vemos definhar a cada dia.
Aqueles que sofrem de doenças terminais.
Cujas mortes de certa forma acabam sendo um alívio.
E como se não bastasse,
aqueles que se afastam espontaneamente.
Amores, filhos, que se transformam em nossos
piores algozes.
domingo, 20 de dezembro de 2020
a vil pecúnia
Os covardes tem vida longa,
posto que não
se expõem, vivem à sombra.
Os farsantes, mentirosos, embusteiros,
são bem vistos,
posto que vivem de enganar os outros.
Os desonestos sempre dão um jeito
de se dar bem,
de levar vantagem, afinal, é parte do ofício.
Diga, qual o estímulo de ser correto,
bem intencionado,
se ninguém dá valor ?
Se só te dão valor em função
do que podes proporcionar ?
E olhe lá.
Porque há aqueles - justo os mais chegados -
que fazem do afeto uma mera
e mal-disfarçada questão pecuniária.
a mágoa que ainda viceja
Em tudo que foge ao entendimento,
não há lugar para arrependimento.
Posto que inútil, irrevogável.
Ademais, não são os erros que nos definem,
mas o que fazemos deles.
O que importa o passado,
o que deu certo ou errado,
se a vida agora agoniza
e nem assim te humaniza ?
Aceitar o castigo imerecido
não te faz melhor,
se dentro de ti a mágoa
ainda viceja.
sábado, 19 de dezembro de 2020
TESTAMENTO
Amar quem não merece,
não se desmereça.
Entrar em uma relação de peito aberto,
é como ir para a guerra de canivete.
Quando não tiver mais ninguém a seu lado,
as chances de ficar sozinho são grandes.
De fracasso em fracasso,
vamos nos habilitando ao sucesso.
E vice-versa.
De repente, a aurora.
E o vampiro perdeu a hora.
Insista, persista,
invista.
Sem nunca deixar
de ser realista.
Meu testamento é bem sucinto.
Não tenho bens, só deixo genes.
Sempre achei que te conhecia.
Por ti, até botava a mão no fogo.
Hoje que te desconheço,
enfim te conheço.
Primeiro dia de aula :
acreditar + confiar = se estrepar.
confabulando
''Que tristeza é essa, primo ?", indaga o grilo ao
gafanhoto.
"Estou triste mesmo. A natureza foi injusta comigo.
Me fez feio, não canto, sou visto como uma praga,
há até lugares em que viro petisco".
"Não exagera. Por outro lado, você é resistente,
conhece o mundo, e até voa !", pondera o grilo,
que prossegue :
"Veja eu. Sou minúsculo, vivo nos brejos, nas poças,
meu canto é irritante, e sempre de olho na língua cumprida
de algum sapo".
"Em compensação, os poetas te adoram...", suspira o gafanhoto.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
quizás, quizás, quizás...
A batalha que é ao mesmo tempo glória
e mortalha,
jamais chega a bom termo.
Viver e morrer só trocam de lado.
Inocentes úteis sob o mesmo tacão,
poder e dominação em meio ao terror
incessante que as divindades ignoram e até
inspiram.
Entre o amor e o desvario que cega e alucina,
persistindo na loucura para encontrar a sabedoria, como
diz Blake.
Ou dir-se-ia que tudo o que é passível de se acreditar,
embute mentiras ?
A batalha nossa de cada dia não distingue covardes de
heróis.
Nem sentimentos, nem boas intenções.
O penhor da paz é o ritual de desatinos e morticínio.
Em que se anseia trocar de lugar com os suicidas,
houvesse coragem para tal.
Somos aqueles que pertencem as secretas mitologias,
para sermos o contraponto, o imperfeito
que macula a perfeição do universo.
Talvez ascenda ao céu o amor misericordioso, mas há quem
desdiga.
Talvez os olhos limpos, que não veem o lado sujo da vida,
possam ver um Deus que ninguém nunca viu.
Talvez os muros, os guetos, os genocídios, sejam um mal
necessário.
Talvez um cão amoroso seja melhor que um amor duvidoso.
Talvez o lado sórdido da vida não seja de todo ruim, quando
visto com olhos afeitos à escuridão.
Talvez Deus seja um velho caduco e desinteressado,
como nos revela o menino Jesus fujão,
cantado nos magistrais
versos do poeta que não sabia ser só uma Pessoa.
Talvez você possa guardar seus segredos subornando
a permissiva consciência,
resta saber a quem quer enganar.
Talvez o labirinto da existência
não tenha saída,
e o fio de Ariadne não passe de um engodo, e aí,
como fica ?
Talvez o pó incalculável dos exércitos tombados em batalhas,
sejam o adubo da vida.
Talvez Beethoven não seria tão genial, se pudesse
ouvir.
Talvez, talvez.
Talvez as crenças e rezas não sirvam para nada,
a não ser para encher os bolsos de espertalhões que usam
e abusam do nome do Senhor em vão.
Talvez o buraco seja mais embaixo, ou arriba.
Talvez os desejos e vontades reprimidos não passem de
imposições da carne,
de resto,
um banquete para os vermes.
Talvez a vida só faça sentido nos teatros, nos campos de futebol
e nos cemitérios.
Talvez a maior das tiranias seja a vontade de Deus.
Talvez se dê um crédito demasiado às esperanças.
Talvez as crianças que nascem mortas ou morrem cedo
sejam as mais felizes.
Talvez o abraço seja um laço que se deva estreitar. Ou evitar.
Talvez os ricaços apodreçam por dentro,
por não poderem gastar todo seu
dinheiro.
Talvez os parques fantásticos de Verlaine digam o indizível,
como se visse a terra e o céu
de alguma varanda.
Talvez o sonho da rosa imaculada seja ser deflorada.
Talvez a escolha certa não passe de um grande erro.
Talvez a chamada segunda chance seja como um naufrago
que o mar devolve à areia.
Talvez a verdade esteja no supremo desconsolo.
Talvez o mistério da morte se esgote quando as funções
da alma se perdem em náusea e desespero.
Talvez a água mais fresca seja a de algum cisterna abandonada.
Talvez a única verdade a cujos pés devemos depor
os sentimentos, é o de nossa imensa estupidez.
Talvez os poetas sejam fósseis vivos em tempos de Internet.
Talvez as ausências que tanto lamentas, sejam uma benção.
Ainda que a de um filho ingrato.
Talvez a ausência de quem te descartou se revista
da coragem que te faltou.
Talvez a dor incomparável da perda
de um ente querido, te faça mais forte a longo prazo.
Talvez a consciência tranquila seja o último refúgio
dos covardes, como diria Samuel Johnson.
Talvez a vida não seja só isso que se vê, ou talvez seja.
Depende de quem vê.
Talvez todos os caminhos levem a Roma, ou a Meca,
ou a lugar nenhum que não queira estar.
Talvez as aparências enganem aos que querem ser enganados.
Talvez a beligerância inata do homem o impeça de ser feliz.
Ou é o contrário ?
Talvez o Coronavírus seja um divisor de águas, ou o começo
do fim.
Talvez o duro sol ame o conflito.
Talvez devêssemos ter dois corações, um às vezes não dá conta.
Talvez nenhum sacrifício valha a pena, quando a alma é pequena.
Talvez as injustiças sejam a redenção dos pecados,
por outros motivos.
Talvez os dias crivados de enigmas sejam os melhores.
Talvez a doce e fria malícia encarne todas as primícias.
Talvez as certezas dos ignorantes valham mais que
o niilismo dos sábios.
Talvez fosse melhor se minha mãe tivesse
feito um aborto.
Talvez os sonhos que fogem são os que perduram.
Talvez tudo tenha acabado de ser criado, na vida
que quebra e se refaz.
Talvez o nunca havido seja a única coisa que não se perde.
Talvez a invasão amarela salve os insetos da extinção.
Talvez o espantalho dance à noite para a lua se divertir.
Talvez superestimemos o prazer que não virá.
Talvez o malogrado tenha sido roubado.
Talvez a linguagem rebuscada, cifrada, intencionalmente
obscura,
singularmente incompreensível,
seja tudo,
menos poesia.
Porque talvez "la vida sea un sueño,
y los sueñs sueños son..." (Calderon de La Barca).
Quizás, quizás, quizás...
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