domingo, 12 de dezembro de 2021


                          tarde ontológica 





 


Envolta em angustiante quietude,

a tarde ontológica

esconde desejos prementes,

desde sempre pendentes,

renitentemente ausentes. 


Nada muito urgente,

nem extravagante,

diria até pouco inteligente.

Apenas o grito pungente

de um ser carente, reagente,

dependente daquilo que a gente

mais finge que sente

do que sente.


Honestamente ?

Tudo pode esperar.

A verdade dos supremos desconsolos.

A espera que aclara os sofrimentos.

A repulsa moral.

A esperança que não tenho.

Tudo pode esperar.

Tudo e nada que compõe 

o pouco e o demasiado.

A falta e o excesso.


Ora, um poema não precisa ser um poema.

Apenas um ato-falho.

O halo.

O talo.

O hipotálamo.

Mais bucólico que 

um hipopótamo 

tomando sol

na tarde ontológica.











 

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021




                     água dura em pedra mole





Há dias em que as horas desaparecem na brancura,

e os desertos ásperos do esquecimento trituram

ossos, estrelas, os próprios enganos.

Para, enfim, conduzir-me para além dos erros,

enquanto o coração derrete.


Sou eu mesmo, agora. 

O que posso dar de mim nem sei se é amor.

Poderia ser mas não faz mais diferença. 

O que eu sou é onde estou, 

vi o chão molhado de enredos oníricos e me afastei.

O que sobrou : pensamentos que vagueiam

como singelo arroio entre as duras rochas.

Sou água dura em pedra mole.






    

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021




                            sinopse





Calmaria.

Saudades da Maria.

Passou na minha vida

Feito uma ventania.


               Tristeza

                      dispensa

                      destreza.


Certezas.

Há que conhecer

suas sutilezas.


               Feliz é o beija-flor.

               Íntimo de todas as flores. 


       Do amor já fui escravo

       Hoje sou feitor.




sábado, 4 de dezembro de 2021



                    pelo resto da tua vida

               ( ou a lei bruta da Natureza)




                                           1.


Aí você põe um filho no mundo.

Sem noção do tamanho da responsabilidade que está assumindo. 

Da encrenca em que está se metendo.

Sem fazer ideia das mudanças que estão por vir,

passado aquele instante mágico, único, inigualável, 

de ter dado a luz aquele pequeno ser, 

saído de suas entranhas, 

um pedaço de você.

Um ser que veio para te preencher, mas também 

para sugar toda tua energia, 

exigir toda a tua atenção, 

de modo a tornar todo o resto secundário. 

Pelo resto da tua vida.

Inclusive em relação ao distinto progenitor, na verdade

aquele que mais perde, por se ver naturalmente preterido,

relegado a segundo plano.

Tal qual prescrevem as leis brutas da Natureza. 


Sim, por filhos no mundo é a coisa mais fácil,

tanto que muitos deles sequer são desejados,

nascem acidentalmente, à contragosto,

sem planejamento, respaldo.

Como esperar que tenham uma vida normal ? 

Que sejam normais ? 

"Crescei e multiplicai-vos", teria sido a ordem do Criador,

cumprida à risca por uma humanidade

que prolifera feito barata.

Prolifera à revelia.

Prolifera por proliferar.

Criar é que são "elas". 

Reunir as condições necessárias.

Como esperar por um mundo melhor 

se a grande maioria

nem criar os filhos 

direito 

consegue ?


                                              2.


Aí você põe um filho no mundo.

E você é daquelas que leva a missão à sério.

Afinal, é a realização de um sonho, lutou para isso,

custou a engravidar, fez tratamento,

como não se empenhar de corpo e alma para que

aquela criaturinha tenha do bom e do melhor ?

Só que não é tão simples assim.

Nem todo amor, empenho, dedicação, é garantia de nada.

Você deveria saber que filho não é para sempre.

Que lá pelas tantas, a bruta lei da natureza fala mais alto.

E seu filhote começa a desgarrar. Já não aceita ordens

passivamente, reage mal às cobranças, 

dá sinais de rebeldia, e um belo dia, mal saído dos cueiros,

lasca na sua cara que não vê a hora de sair de casa.

Que é quando você se questiona, onde foi que eu errei ?

Você que tudo fez, negligenciou o próprio marido, companheiro,

viu a relação naufragar, o corpo mudar, até doente ficou, 

para, no fim, ouvir daquela criaturinha amada

que seus cuidados já não são necessários, muito menos

indispensáveis, foda, né ?


                                  3.


Aí você põe um filho no mundo.

Não sabe nem quem é o pai. Tentou abortar, mas quando 

descobriu já era tarde.

Teve que aceitar na marra. Pensou em dar para adoção,

mas faltou coragem.

Conhece muito bem esse sentimento, de rejeição,

não saber quem são os pais.

E trata de fazer o que lhe está ao alcance. 

Algo que dentro das parcas condições que desfruta, 

está longe de suprir as necessidades daquela criança.

Daquele adolescente. Que logo vai para a rua, 

onde experimenta de tudo,

aprende da pior maneira, para se tornar alguém 

que a própria mãe desconhece.

                                        

                                          4.

E aí você põe um filho no mundo.

Para saber como é.


                                      



  



 



 





 











 



 






  



  

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