quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022



                   é preciso que o encanto nunca cesse





Cada dia, ao longo do turbilhão das coisas tortas,

golpeia a vida.

Inflama as chagas de nosso inferno particular. 

Inquilinos de espedaçadas esperanças,

só o que nos salva 

é ter algo para edificar, pelo que lutar. 

Antes que nada mais faça diferença.

Até que o irremediável aconteça. 


É preciso que o encanto nunca cesse. 

É preciso crescer ao contrário. Crer ao contrário, 

depor as ideais pré-concebidas. 

É preciso prescindir de representantes, intermediários,

mensageiros para enfim conhecer a verdade.

É preciso fugir das redes, das malhas, das armadilhas

reais e virtuais.

É preciso ver Deus onde Ele não exista, expulsando 

os demônios que se passam por Ele. 

É preciso suportar o mundo sem fazer concessões, 

sacrificando tudo, menos a dignidade.

É preciso ser amável, prestativo, humilde, sem ser

subserviente.

É preciso ser forte, destemido, altivo sem ser arrogante.

E, sobretudo, é preciso nunca se dar por vencido, 

para que a vida faça sentido. 

Mesmo o amor eventualmente perdido.


No tempo ligeiro é preciso ser certeiro. 

Pois tudo o que se guarda acaba perdido ou adulterado, 

em ardilosos labirintos. 

Altas virtudes e vícios postiços embutem cínicos delitos.

Como vinhos da mesma pipa.

Argumentos e pensamentos embebidos de insidiosas artimanhas, 

engendrados em silenciosa e obstinada salmodia. 

Matanças indiscriminadas, passatempos banais,

eis a terra prometida.

Eis a herança. 

Saber e ignorância nivelados na dúbia face de estoicismo

e desespero.

Pois uns aos outros amamos e desprezamos com o mesmo fervor. 

A remissão dos males e dos pecados 

começa pela humildade. 

Escuta o silêncio. Afasta os maus pensamentos. 

Tire os sapatos e caminhe descalço até ferir os pés, 

e na dor se humanize.

Desate os nós, e estreite os laços.

Livre-se dos jugos, lavre novos tratos.

Honre os compromissos, mas sem neuras.

É preciso deixar de se preocupar  com tolices, 

com coisas que não pode resolver. 

É preciso apreciar o frescor dos dias inúteis, 

em que nada e tudo acontece.

Valorizar os árduos e ardentes elos.

Antes que tudo se resuma a ludibriar o tempo.

Para que não chegue ao precário fim prescrito, 

proscrito, sem um legado, como se não tivesse existido.

Incógnito como um rio subterrâneo, 

sem nascente nem foz.







 

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022





                                                    gosto dela




 

 







Gosto do jeito arrevesado dela,

quando sorri ou me repreende

a troco de nada.

Gosto do seu ar melancólico e reticente,

que me faz querer protegê-la, ampará-la

como se abraça uma criança.

Gosto do jeito como ela anda, fala, respira.

Gosto de vê-la enquanto se veste, 

e mais ainda, quando se despe,

Que é quando a tenho

como se fosse 

só minha.


    


 



   

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022




               um novo querer





Descobrir que não existe mais nada

do que já existiu, ou pensava existir.

Como o corte profundo de uma navalha.

E, no entanto, mais vivo do que nunca.

Mostrando ao mundo como se supera

o desalento.

Ao ressurgir como o vento, e construir 

um novo querer.

Um horizonte que faz fronteira com o nada 

que deixou de existiu.






 

 

domingo, 30 de janeiro de 2022



                         dinastias do crime


                           Gravura de Salvador Dali



É redundante pensar que todas as formas de ser

são inconsistentes.

Consistem de ser e não ser.

Embutidos em milhões de silêncios. 

Dispersos em raras combinações de virtudes e altruísmo,

em meio a hordas de bárbaros que violam a terra, 

incendeiam o céu.

Em vão, procuram-se os corpos extraviados.

A visão apostolar da terra bruta irrompe em  mitos

antigos.

Mede os ásperos cumes justapondo sonho e realidade.

Urdindo medo e fervor.

Rompendo amalgamas de sofrimento.

No vasto mundo de almas inquietas e mentes vazias, 

as desditas cotidianas rugem e agonizam,

enquanto as dinastias do crime se perpetuam.







 







 



 

sábado, 29 de janeiro de 2022



                      fruta proibida





No cofre dos desejos,

o coração, imantado,

à espera das sensações que o corpo

pede.

Compensações, diria, em contraponto

ao abandono

que paira como túmulo violado.

A vida obliqua só faz sentido no deleite.

Morder a fruta proibida. 



sexta-feira, 28 de janeiro de 2022


                                      cu doce



Às vezes, a melhor maneira de resolver dilemas 

existenciais é a soco e pontapés. 


           Quando eu queria, ela não quis.

           Agora que ela quer, é minha vez de fazer 

           cu doce.


Não sei se ela é a minha cura

ou mais uma de minhas loucura.


           


 

domingo, 23 de janeiro de 2022


                                     penhores






             Dos versos que escrevi para essa desalmada,

             o que mais me dói 

             é ela não ter entendido nada.


Nada mais justo que te esqueças de mim.

Nada lamento, fiz por merecer.


           Antes de partir, 

           só me faço um favor :

           me restitua o amor 

           que te dei em penhor.


Poucas coisas resistem ao tempo.

Sobretudo, aquilo que não é nosso.

Afetos, amores presumidos.






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