quarta-feira, 29 de junho de 2022



                  abdução





Tememos por nossos filhos, num mundo

sem poesia,

sem decência,

sem amor.

Em constante vigília de impotência,

reduzidos a mera condição de espectadores,

testemunhamos de cadeira a lenta 

e inexorável  

abdução, 

daqueles que nos são mais caros.




 

terça-feira, 28 de junho de 2022

      


                                cadáver ambulante



 


Perto de nós alguém tomba.

Ao largo, o crocitar de um corvo dá as boas vindas.

Especula-se que tenha se suicidado.

Motivos não lhe faltavam.

Abandonado pela mulher, cheio de dívidas, distante dos filhos,

no fundo não passava de um cadáver ambulante.

Como tantos que andam por aí.

Carregando as dores do mundo.

Logo será esquecido, como se não tivesse existido.

Para viver para sempre. Como pó.






      não pergunte 

    o que Deus 

    tem a ver com isso





A irracionalidade contemporânea é isenta de culpas.

Sociopatas é a raça dominante.

"Uma verdadeira filosofia embrionária de subcultura é a marca

desse momento singular".

Todos em busca de notoriedade, fama, 

ainda que às custas de opróbrio, humilhação pública. 

Antes o enxovalho que o anonimato.


A era digital assim o requer. Que sejamos "alguém".

Não importa como, se em sinecuras virtuais ou orgias surreais.

Maus exemplos não faltam, de todos os lados. 

Com tantos apelos, estupros viralizam.

Vídeos vazam de propósito, vendendo corpos,

crianças precocemente corrompidas. 

Nada mais escandaliza. O que era privado e restrito

virou de domínio público. Com direito a tatuagem no ânus.

Moralidade e decência, nem de fachada. 

De Sodomas e Gomorras é feita a humanidade.

A degradação é o nosso lar, "com a mesa posta e a cama feita."

Não pergunte o que Deus tem a ver com isso.











 

segunda-feira, 27 de junho de 2022



                    epigramas




Uma saudade feliz me aquece o coração.


          Vou sempre em direção oposta a meu destino.


É impressão minha ou bárbaros e pacifistas se parecem ?


           Ao menor descuido, tudo aparece. Ou desaparece.


Chega um momento da vida em que tudo se desencapota, 

seja lá o que isso quer dizer.


           Corações trocando afagos e socos, coisa de louco.


  

                          

                               simbiose perfeita






Sempre que me perdi, 

tive a sorte de me reencontrar.

E para cada coisa que perdi,

veio outra em seu lugar.


           Meninas novinhas, novinhas,

           quase peladas,

           se exibem on line,

           como se não existisse pecado.

           Aliás, existe ?


De tanto esperar por dias melhores,

esquecemos de aproveitar os piores.

Que são os que mais ensinam.


            Amor com humor : simbiose perfeita.

            Amor com dor: ó, vida maledetta. 

            Amor com suor : ninguém inventou coisa melhor. 

            

            

 

 

domingo, 26 de junho de 2022




                      não custa sonhar





A chuva, o rio,

ruas, sombras, muros, 

trabalho, prazeres, 

memórias que esplendem em luzes trêmulas. 

Passos erradios depõem lares, palácios.

Altas torres de ódio e perdão se impõem.

Na vida que é um lamento só,meu canto é meu unguento.

Num sopro, num gemido, tudo se vai,

tudo se perde.

Tempestades dispersam as angústias e as chagas.


Lembranças fustigam, me impedem de ser feliz.

Tornam tudo um arremedo do que foi.

A tudo desmerecem e falsificam.

Quereria acreditar, mas nada é confiável. 

Muito menos o amor. 

Convém não pagar para ver.

Convém aderir a mentalidade reinante.

Converter-se a liturgia do mais valia.

Sob os auspícios da nova e frívola era global.


Chove. Ainda bem.

Cai a noite. Ainda bem.

Virar a página é preciso.

Amanhã é outro dia. O mundo não é bom,

mas sempre há compensações.

O sol brilhará outra vez,ah, mas eu amo a chuva...

Chuva que lava a vida.

Para que volte a ficar brilhante e mágica.

Não custa sonhar.








 


                          salto sem paraquedas




                                    

Ah, "o terrible frisson des amours" (Rimbaud).

Auge dos sentidos,  salto sem paraquedas, medida 

perfeita e reinventada de prazer.

Força avassaladora sob um céu de tempestades e bonanças.

Que todas as formas de querer engloba.

Não obstante a realidade espinhosa, andar sempre em brasas,

inocente e maldito, 

sobrevive em meio a guerras surdas, aberto a todas possibilidades.

Em lassidão se desintegrando.

No sexo mecânico se decompondo.

Com a memória se digladiando.

Onde os grandes momentos ? Onde o frisson, a magia ?

Tudo tem um prazo, requer condições.

O amor não é exceção. 

Dura enquanto o coração fala mais alto que a razão.





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