quarta-feira, 27 de julho de 2022



              amor-pústula



Flores putrefactas adornam o lodo dos afetos. 

Morada de baratas glabras,

ratos sub-reptícios,

serpentes ávidas.

Na vida infectada, sob a lei dos homens, 

agoniza o coração ferido e desenganado,

abandonado pela sorte,

pelo amor conspurcado.

Amor-pústula, aniquilado pelo desejo sórdido.

Por prazer ou vingança ?


Nunca se sabe o que há do lado de lá 

dos muros fatigados.

Dos afetos lacerados, crenças inocentes

de um tempo sem rostos e paisagens,

na dubeidade do amor imprudente,

gasto à revelia da razão.


Sigo meu caminho sozinho, sangrando,

a espera que o tempo 

converta tudo em silêncio. 


 





 

segunda-feira, 25 de julho de 2022



                    alegorias





Com o fim tão próximo, quase palpável, 

reluto em aceitar a condição de nada mais aspirar. 

A não ser não me degradar, a espera

do que não virá. 

Sinto o bafo da morte na nuca, fujo como uma fera de seu fojo,

mas não há o que fazer. Nem do que reclamar.

Pelos meus passos sempre errados não há culpados

senão eu.

Vivi me indispondo com o mundo,

virtuoso num meio sujo. 

Dormindo com rameiras para subverter o tédio 

dos paraísos artificiais. 

Eis-me à beira da noite escura da alma, livre, enfim,

da cancerosa máscara humana.

Desenganado pelos homens e por Deus, mas resignado 

ante a alegoria incoerente do tempo.

Lamento apenas não ter amado o suficiente. Daí, talvez,

a traição que jamais esperei.

Quis muito e fiquei sem nada. 

Nada além dessa insensata busca pelo que não sei.



                     

                    enigmas






E chega o momento em que nos desviamos da rota.

Por algum motivo, por motivos às vezes inexplicáveis,

rompantes, impulsos, 

a vida a jusante se desvia do curso. 

E nada mais será o mesmo.


No confuso entendimento das coisas, a impura flor

fecundada como um estigma.

As razões obscuras pairando como enigmas.

A degradação do amor como pano de fundo.


No mundo complexo de cada um,

o amálgama dos pactos não resiste

a corrosão do tempo. 





           razões para viver (variações sobre o tema)




Não concebo a vida sem temperança.

Sem algum tipo de crença,

para manter um mínimo de esperança.

Vê-se que sou um otimista de nascença !


Não concebo uma vida sem alegria.

Sem algum tipo de magia.

Às vezes basta um pouco de empatia

para que a vida lhe sorria.


Não concebo a vida sem ação.

Sem algum tipo de emoção

que faça pulsar o coração.

Deixe para ser frio no caixão !


 


                    razões para viver





Não concebo a (minha) vida sem esperança.

Sem algum tipo de crença ( no Deus de Spinoza, por exemplo).

Sem calor humano, ainda que à distância.

Sem beijo na boca, sem tesão, substância.  


Não imagino a vida sem saúde (tratemos de nos cuidar !)

sem quebrar a cara (quem, não ?),

sem errar e se arrepender (idem).


Não imagino a vida sem os prazeres 

e as dores que humanizam.

Sem perseverar no amor, crasso e excepcional.




 

domingo, 24 de julho de 2022



                a verdade (versão cética)





A verdade não tem dono.

Vive mudando de foro.


             A verdade é uma história bem elaborada.


A verdade é a verdade de cada um. O resto são versões.


            Nem a verdade é confiável, como tudo que é humano.


Um dia saberás a verdade, e a verdade já não importará.


           A verdade é muito relativa. 


Não confunda verdade com opinião.


           O grande problema da verdade é ser quase sempre inconveniente.


Nada mais chato do que um dono da verdade.


           A verdade é a mentira que não vingou.


Ter a palavra final não significa estar com a verdade.








           



sábado, 23 de julho de 2022


              pobre criatura





No mundo cibernético

o homem-computador

o homem-celular

o homem-digital

proto-humano virtual

em tempos de culminâncias e clausura

procura o que não vê

fugindo de si mesmo

sendo e não sendo

com a vida joga

com a vida negocia

distribuindo segredos

respirando o momento

remoto e matinal

caminhando para fora do tempo

solitário, em meio ao convívio sem contato.

Ao amor sem paixão.

Pobre criatura proto-humana

sem cicatrizes

sem alma...



 

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