sábado, 17 de setembro de 2022



                 nasce, amadurece e apodrece





A gente luta

tenta

investe

concede

se reinventa

arrisca

sofre

se desdobra, não mede esforços

para fazer dar certo

aquilo que nunca se contenta

o que não se sustenta

não tem lógica

mutila

rasga por dentro

maltrata

sangra

até converter-se em náusea.

Na coisa mais sórdida.

Simplesmente porque como tudo, 

o amor nasce, 

amadurece 

e apodrece.




 

 


                         fetiche

                  (miniconto)





Vi que não ia dar certo quando ela me disse que tinha o fetiche 

de ser estuprada. Desde que o cara fosse 

bonitão, másculo, ou usasse uniforme de policial, por exemplo.

"Vai dizer que você nunca teve vontade ?"

"Estuprar ? Claro que não ! Eu, hein?"

"Credo ! Você não é normal".




sexta-feira, 16 de setembro de 2022



                                 o aborto




Não sou ninguém.

Não sou nada.

Não existi.

Não vivi.

Não senti.

Não nasci.

Sou apenas um embrião.

Do tamanho de um feijão.

Um aborto.

Mereço ser morto ?


 



                       correspondências





Assim como uma pedra sempre será uma pedra,

uma vez puta, sempre puta.


           Hoje eu sei

              onde foi que eu errei.

              Toda vez que amei

              nunca me entreguei.


Já não sonho.

Sonhar é para os tolos.

Quem sonha não vive.

Se distrai da realidade.

Com a qual não mantém correspondência.

Sequer afinidade.

Quando muito uma certa urgência

de amar e ser amado.

No que, por sinal, 

não há nada de errado.






 


                            nada mais traiçoeiro



 

o amor é ligeiro

faceiro

matreiro

nada mais traiçoeiro.

encanta

seduz

consome

arde feito fogo

até a exaustão.

quando acaba o tesão

vira carvão. 







           breve canto 

           do amor 

           não compartilhado





Tudo é solidão. Silenciosamente, buscamos correspondência

em fortuitas e aventureiras conquistas. 

Distraídos com os privilégios casuais da busca.

Dispersos pelos indecifráveis labirintos do tempo.

Tecendo e destecendo máscaras, agonias, alvoradas.

No breve canto, que não teme a dor, sequer a morte,

o duradouro e o desvalido se entretecem. 

Em meio a perdida gente, dias sem data ignoram o repouso.

Versados em causas inúteis, plantamos platitudes

que alguns transformam em ouro, singraduras, servidão.

A servidão que é metáfora e trama.

Nos sonhos que se desfazem em outros sonhos.

Em que o ontem e o hoje são iguais.

Solitários, como o amor não compartilhado.



 


quinta-feira, 15 de setembro de 2022



                  para o bom entendedor




Ah, os leitores, fãs de poesia.

Tão solertes e perspicazes.

Confundem maçã do rosto com a fruta.

Incapazes de enxergar

nada além da realidade preexistente.

Se atém a denotação em detrimento

da conotação.

Justamente a essência da poesia.

A atemporalidade, a metalinguagem.

"Não apenas conjugar os versos

mas fazê-los sangrar", como nos diz

Álvaro Pacheco. 




 

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