sábado, 1 de outubro de 2022


                  a vil pecúnia



    

                  


Esse seu jeito de gostar,

que você diz ser amor, 

mas que soa mais como deboche,

confesso, já não sei como lidar.


Por mais que eu tente, 

não consigo conciliar o que sinto 

com esse seu jeito errante, 

sempre condicionado a algum presente, 

para demonstrar o que talvez nem sente.


Estou farto de você não me levar à sério, 

de me fazer de gato e sapato,

pelo fato de eu ser tão dependente 

dos carinhos que anseio feito um tolo adolescente.


Mas, no fundo, a culpa é toda minha. 

Por me negar a ver o que está na cara.

Que o amor que para mim é entrega e devoção, 

para você é simples moeda de troca, 

mera distração. 











 




 



 







 


                        não basta ser cego





Não basta ser cego.

A conversão é lenta e fiduciária.

Panacéias, exorcismos,

incunábulos multiplicam os corredores.

A lucidez é bicho esquivo. 

Nada mais inútil que tentar abrir portas 

trancadas a sete chaves. Lacradas pela ignorância.

Ir contra a correnteza, a conversão por persuasão ou necessidade,

executada à base de florilégios ou no fio da espada.

Rezo provérbios,

disperso e prolixo, 

malhando em ferro frio

e coisas do gênero. 

O gesto tosco,

tortura e desgosto,

ataraxia predadora em que me afundo.


Não basta ser cego.

É preciso não enxergar.

Consolo torpe é ser covarde 

travestido de benfeitor.

Verme por natureza, repugnante até a saciedade,

sujo e penalizado,

a conversão é lenta.

Não é fácil ser ignóbil.

O hábito desfaz o rito.

O membro viril e triste, subverte a lógica.

O desvario de quem só vê uma face da moeda.

Cifras de almas perdidas.

Olhares curiosos perpassam os truísmos.

Os outros que se danem.

O esquecido dura mais.

Quem perdurar, verá. 




quinta-feira, 29 de setembro de 2022



                  o sal da terra




                 

Guardar os axiomas para os dias difíceis, 

eis o sal da terra.

Pensamentos que desmantelam a ordem das coisas

engendram embustes.

Na lenta desagregação de cada dia, perde-se tudo 

em pleno gozo dos prazeres.

Os que se amam e depois se desprezam, são a mesma pessoa.

Não há culpas, apenas lapsos.

Nunca atingimos a justiça absoluta, um bom juiz é aquele

que se coloca no lugar do réu.

O pensar condicionado pelo apego induz a erro. 

No fim das contas, desapegos aparam as arestas.

As coisas só caem no esquecimento quando 

não importam mais.

Conforme mudamos, os juízos mudam. O que era bom 

não presta, não serve mais.

O dedo sujo aponta à esmo.

Às vezes mais vale estar errado.

O mundo esquece facilmente de nós.

O eu abolido está perdido e feliz.

Livre, o arbítrio lima as certezas.

O óbvio eclipsa o juízo. 

O ódio solapa o discernimento.

O tiro pela culatra é a justiça por linhas tortas.

Com frequência, senso e contrasenso contaminam-se.

Tendo esquecido, foi-se a premência.

O louco amor vira tumor.

Não obstante, o final é sempre a libertação.

Raiva, mágoa, não valem um grão da ampulheta.

Nada que um placebo não cure.

Quem se foi, que se vaya con Dios.

Do idílio ao purgatório, num deslizar de dedos.

Pode dar certo um mundo em que um apetrecho

que cabe

na palma da mão, 

faz as vezes do conhecimento humano ?


















 







 

terça-feira, 27 de setembro de 2022



Tenho tudo e não tenho nada.

Tudo o que me permite sobreviver dignamente, 

nada do que um dia importou. 

Tive uma vida boa, só fazia o que gostava. 

Hoje faço aquilo que a vida me permite. O que não é pouco, 

diga-se de passagem. 

E sou muito grato por isso.

Tudo que tive e que tenho, se fundem num emaranhado  

que ainda luto para deslindar. 

Às vezes sinfonia, às vezes cacofonia.

Nada mal, em todo caso, para o aprendiz 

relapso que sempre fui.

.........................................................................................


Ainda me constrange lembrar de como eu era chucro, 

provinciano, falso moralista, quando cheguei a Santos, prestes

a fazer 20 anos, vindo de uma cidade literalmente fria 

e conservadora como Curitiba.

Levei anos para superar o choque cultural que me levou até

mesmo a abandonar precocemente a carreira (promissora, é o que

diziam ) de futebolista.

Não tive estrutura emocional para me adaptar a um ambiente

que me agredia em muitos aspectos. 

Sobretudo, a falsidade, a discriminação. 

Abandonei a carreira no dia em que um diretor da Portuguesa 

santista (valeu, Ciaglia) mais uma vez descumpriu a promessa 

de me pagar os salários atrasados, alegando que, face a verba

limitada, priorizara aqueles, a seu juízo, mais necessitados. 

"Sua família tem posses, você consegue se virar", lembro dele 

ter dito algo assim.

Impulsivo como sempre fui, cometi a insensatez de desabafar com 

meu então colega de faculdade, Adelto Gonçalves, 

hoje escritor consagrado, e à época repórter do jornal A Tribuna,

que não perdeu a oportunidade de dar o "furo" em que eu anunciava 

o fim de minha carreira e chamava o tal diretor de traidor. 

Lembro que no dia seguinte, logo cedo, meu pai me tirou da cama

aos berros, como raramente vi ao longo de toda nossa convivência,

exigindo que eu me retratasse, pois a merda havia respingado em

sua atividade comercial, já que o então presidente da Portuguesa

era também presidente da Cooperativa Mista de Pesca 

Nipo-Brasileira, o saudoso José Augusto Alves, seu principal cliente.


Fui obrigado a me retratar para não prejudicar meu pai, nem lembro

o que aleguei, mas mantive a decisão de não jogar mais

profissionalmente. Talvez porque logo em seguida, após um breve

estágio, ingressei na carreira jornalística, convidado por meu 

professor na Facos, Ouhydes Fonseca, já falecido,

e que era também editor de esportes do jornal A Tribuna. 










 




 

















 


 

domingo, 25 de setembro de 2022



                                herança






Descartável, dispensável, desnecessário...

Sentimentos correlatos a velhice. 

Inevitáveis, mas mitigáveis. 

Mantendo-se útil. Ativo. 

Pró-ativo. 

Mais garantido é deixar uma boa herança.

Não faltará quem acuda um velho babão 

endinheirado.






                  PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO





Ando capengando, arrastando o corpo sempre cansado, 

com a guerra quase perdida, no limiar da derradeira batalha, 

talvez a mais árdua : manter a sanidade. 

Um prêmio de consolação para poucos.



sábado, 24 de setembro de 2022




                  a gente sofre de teimoso





Às vezes é preciso se rebaixar

para sair por cima.


            A consciência é feito morcego.

            De tão feia, só aparece à noite.


Tudo é permitido, tudo é perdoado.

No mundo depravado, o certo é o errado. 


                Perca-se o orgulho, perca-se a dignidade.

           Desde que não se perca o crédito.


A gente sofre de teimoso,

quando esquece do prazer. 

(Guilherme Arantes)


         Saiba, neném,

         não divido você 

         com ninguém.


           





Postagem em destaque

                            a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...