Tenho tudo e não tenho nada.
Tudo o que me permite sobreviver dignamente,
nada do que um dia importou.
Tive uma vida boa, só fazia o que gostava.
Hoje faço aquilo que a vida me permite. O que não é pouco,
diga-se de passagem.
E sou muito grato por isso.
Tudo que tive e que tenho, se fundem num emaranhado
que ainda luto para deslindar.
Às vezes sinfonia, às vezes cacofonia.
Nada mal, em todo caso, para o aprendiz
relapso que sempre fui.
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Ainda me constrange lembrar de como eu era chucro,
provinciano, falso moralista, quando cheguei a Santos, prestes
a fazer 20 anos, vindo de uma cidade literalmente fria
e conservadora como Curitiba.
Levei anos para superar o choque cultural que me levou até
mesmo a abandonar precocemente a carreira (promissora, é o que
diziam ) de futebolista.
Não tive estrutura emocional para me adaptar a um ambiente
que me agredia em muitos aspectos.
Sobretudo, a falsidade, a discriminação.
Abandonei a carreira no dia em que um diretor da Portuguesa
santista (valeu, Ciaglia) mais uma vez descumpriu a promessa
de me pagar os salários atrasados, alegando que, face a verba
limitada, priorizara aqueles, a seu juízo, mais necessitados.
"Sua família tem posses, você consegue se virar", lembro dele
ter dito algo assim.
Impulsivo como sempre fui, cometi a insensatez de desabafar com
meu então colega de faculdade, Adelto Gonçalves,
hoje escritor consagrado, e à época repórter do jornal A Tribuna,
que não perdeu a oportunidade de dar o "furo" em que eu anunciava
o fim de minha carreira e chamava o tal diretor de traidor.
Lembro que no dia seguinte, logo cedo, meu pai me tirou da cama
aos berros, como raramente vi ao longo de toda nossa convivência,
exigindo que eu me retratasse, pois a merda havia respingado em
sua atividade comercial, já que o então presidente da Portuguesa
era também presidente da Cooperativa Mista de Pesca
Nipo-Brasileira, o saudoso José Augusto Alves, seu principal cliente.
Fui obrigado a me retratar para não prejudicar meu pai, nem lembro
o que aleguei, mas mantive a decisão de não jogar mais
profissionalmente. Talvez porque logo em seguida, após um breve
estágio, ingressei na carreira jornalística, convidado por meu
professor na Facos, Ouhydes Fonseca, já falecido,
e que era também editor de esportes do jornal A Tribuna.