Hoje está tudo bem.
Amanhã, já não sei.
A vida se repete
até chegar ao impasse,
ou a um ponto sem volta.
Que é quando as pedras rolam.
meu melhor acalanto
Lembro do silvo agudo dos maçaricos voando
antes das tempestades.
Os eucaliptos encharcados tremulando ao vento.
O cheiro luxuoso da chuva empapando a terra.
Os andorinhões procurando abrigo nas árvores.
O céu inteiro prestes a desabar ao rebombar das trovoadas.
As poças se formando no quintal,
que depois ia chapinhar sob o alarido alegre
dos meus dois cães de guarda.
Sempre gostei da chuva. Lembro com carinho
das tempestades repentinas dos escaldantes verões
da minha infância gaúcha,
e mais tarde, da garoa gelada das manhãs curitibanas.
Os pingos ecoando na rua, batendo na vegetação,
ainda são o meu melhor acalanto.
A chuva lava a sujeira da vida.
poema que nem poema é
Há laburnas, colunatas louras,
enxame de mãos africanas,
fardos para carregar,
ataúdes de anões,
turbas romanas.
Vestidos lunares, véus funerários,
deuses provisórios, sílabas inteligíveis.
Há o preto e o escuro, convém não confundir.
O preclaro e o austero. A grade trancada,
fontes de mel.
Há o cavalo com cor de ferrugem.
Pequenas franjas sangrentas.
A ferida e a gangrena. Bocas sedentas.
Metais ardentes.
Mágoas de Deus. Lençóis opressivos.
Enxames de moscas novas.
Pinhas de abetos.
Qualquer coisa para lembrar.
Vestes e afagos.
Há oferta e comprador.
Feldspato e cristais apodrecidos.
Ondas de juníperos.
Calafrios da noite. Rijas almas corrompidas.
Há cordilheiras de granito.
Serpentes prateadas. Relvas crestadas.
Carne tostada sobre pedras.
Bocetas de jovens prostitutas.
Cassetetes e coronhadas.
Há sobreviventes.
Nossas vidas.
E esse poema
que nem poema é.
escuridão
No amplo amplexo humano, todo trâmite consiste
em frustrar as engrenagens do mundo.
Em austero escambo com o acaso, tateamos em busca
de benesses e bonanças que curem.
No frescor de sóis que morrem, o engodo da convivência
sem conflitos renomeia as trapaças.
Com letras que mal foram escritas, cada sílaba
é um ato de sabotagem.
Banida a esperança forjada em exílios, a palavra estéril
encena a farsa que guarda futuros.
De suas raízes, o amor fraticida concebe o impensável.
Procurando partilhas que não nos pertencem.
A mutante alegoria do tempo produz anomalias em série.
Inundando leitos e pátios monótonos
como um domingo de chuva.
Certas escuridões são mais escuras que outras.
às vezes você pensa estar ajudando a pessoa,
mas está só criando um parasita.
Velho que se engraça ou se apaixona por novinha
precisa estar consciente de que vai ter que gastar,
e ainda por cima levar chifre.
É pegar ou largar.
não sei o que é pior :
se agonia de insistir
ou a dor de desistir
Agora ou jamais.
Quando a oportunidade é única.
às margens do abandono
Ninguém perde por esperar.
A não ser pelo que já está perdido.
Ou nem começou.
Já não tem pressa aquele que caminha
às margens do abandono
Abro as portas do coração para o sol da imaginação.
A penúria cercada de tesouros preenche os espaços
vagos do pensamento.
Às vezes penso que vou viver para sempre,
sem saber que já morri muitas vezes.
Vezes demais.
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...