segunda-feira, 3 de julho de 2023



                      coração partido



No abandono dos sonhos encontrei o meu refúgio.

A hora de deixá-los rejeita a ideia do aniquilamento.

Subsiste na dura memória as formas elaboradas que velam

o sofrimento emancipado.

Quero esquecer mas não posso.

O coração partido refaz-se a espera que o tempo

cumpra o prometido.

Amar e desamar para continuar vivo.






   

domingo, 2 de julho de 2023



                                           

                   fulgor e fedor





É tempo de sentar-se à mesa com os ladrões

e assassinos.

É tempo de abrir as cortinas para o dia que não veio,

de separar a luz das trevas. De decifrar as manhãs 

ardentes e defloradas.


É tempo de abraçar o desconhecido e conjurar o perigo.

É tempo de debruçar-se sobre os farrapos dos dias,

de plantar platitudes atrozes, de desmontar os ardis dos intrusos.


É tempo de maturar os sinistros diálogos. De largar 

as muletas dos pais, de aconselhar-se com as crianças.


É tempo de sonhar os sonhos factíveis, de restituir 

o que foi denegado, de pagar pelos pecados.

De cortar os pulsos.


É tempo de enfrentar os jagunços, de comungar 

do silêncio dos bichos, das beatitudes conflagradas,

dos desejos profanados.


É tempo de incendiar o logro dos altares, de unir 

o pecado e o prazer, de queimar os santos hereges. 


É tempo de impugnar a justiça marota, de vã espera 

e homicídios inocentes.


É tempo de alianças incontornáveis, de apontar

o dedo sujo para o acusado, de anular o que já foi julgado.


É tempo de redescobrir o riso, de abolir o rito,

de esquadrinhar o mito, até que fique o dito pelo não dito.


É tempo de roer a corda, soltar o verbo, soldar 

o concreto e o abstrato. 


É tempo de oxímoros, anacolutos, sinédoques,

de hipérboles aziagas e funções fora de hora.

É tempo de fulgor e fedor. De especificar-se,

de belezas banalizadas e demônios que rebolam. 


É tempo de pústulas e parasitas. De despautérios e

vilipêndios, de bacantes e bacanais virtuais. 

É tempo de arquiteturas do mal, de retóricas adulteradas,

de oráculos subsidiados.


É tempo de cegueiras lúcidas, de ignorantes letrados, 

de iconoclastas aloprados. 


É tempo de acender uma vela para Deus e outra

para o diabo.











 




sábado, 1 de julho de 2023



                         contrato de risco



Não se iluda.

O começo do fim se amotina em seu auge.

Quando tudo parece calmo, perfeito.

O começo do fim é o momento mais improvável.

O mais memorável.

Quando o amor parece mais grandioso, inabalável.


Tanta ventura não fica impune.

Afrodite é ciumenta, vingativa.

Engendra ciladas, intrigas, desditas. 

Põe o amor à prova, testando a paciência,

a resiliência, o sexo...

Até que o que era imenso, sublime, 

fenece,

desaparece.

Posto que mesmo em face do maior encanto,

nada dura, muito menos infinito.


Te amei mais do que a mim mesmo.

E jurava que a recíproca era verdadeira.

O que não impediu que tudo se perdesse.

E o que havia de melhor e mais raro,

no mais sórdido desfecho se transformasse.


Do auge ao declínio, é só uma questão de tempo.

Cumpre sopesar, entender que muito mais 

que de grandes momentos,

o amor não passa de um contrato de risco.

Sem prazo nem garantia. 











 



Madrugada.

É quando melhor me conheço.

E nada temo.

Além de meus medos.

De não saber mais quem eu sou.

De que depois da morte 

seja sempre noite.






Peixes cegos. Cobras voadoras.

Pássaros sem asas.

O Eufrates que seca.

Os sinais estão por toda parte.

Florestas em chamas.

A envenenada paisagem brilha 

como água luminosa.

Gotejando pura como nunca.

Deus está aqui.

Em todas as coisas infectadas.


 



Hoje está tudo bem.

Amanhã, já não sei.

A vida se repete

até chegar ao impasse,

ou a um ponto sem volta.

Que é quando as pedras rolam.


 





O urubu me espreita,

enquanto bica a carcaça de um peixe.

certo ele, pensei.

Um olho no gato, outro na sardinha. 



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