domingo, 23 de julho de 2023



               negociando com a vida





Arrasto meus ossos cansados por aí

pensando em como o tempo vai suprimindo os prazeres,

até mesmo os mais simples, como caminhar, ter uma 

noite inteira de sono.

Triste, mas é a vida, não há muito o que fazer, a não ser

procurar mitigar e se possível, tirar algum proveito.

Buscar compensações. 

Aprendendo a negociar com a vida.

Saber enquadrar-se nos prós e contra da nova realidade,

mudando a percepção do que se perde, 

para o que se pode ganhar. 

Ao invés da agitação, valorizar a calmaria, o sossego.

Ao invés da vida desregrada, curtir, degustar.

Ao invés do ímpeto irresponsável, o comedimento.

Ao invés de noitadas, uma boa noite de sono.

Ao invés de vícios, voltar-se à espiritualidade, seja 

num centro espírita ou num templo budista.

Ao invés de hiper-dimensionar as preocupações 

comezinhas da vida, descomplicar.  

Ao invés de sonhar com o impossível, viver

a plenitude do possível.

Arrasto meus ossos cansados por aí sem entregar

os pontos. 


















   

sábado, 22 de julho de 2023



                       



A verdade é que em matéria de relacionamentos,

o ideal está longe daquilo que se pratica.

Senão, vejamos.

Amar, em tese, é desejar o melhor para a pessoa

amada. 

É fazer de tudo para deixa-la feliz, certo ?

Só que na prática raramente isso acontece.

Deixamos sempre à desejar.

Exigindo demais e entregando de menos.








Nada mais complicado na vida que os relacionamentos.

Que só prosperam com muita paciência e inteligência

emocional. O quê infelizmente nunca tive.


                     Há pessoas tão sem noção que o único jeito 

              de lidar com elas é ignora-las. 


Tenho medo de ser feliz. A vida

não deixa barato.

O preço costuma ser alto.










                  

                               sonho de consumo


                       remorsos da consciência/arte surrealista



Náusea de espelho.

Náusea de mim mesmo.

Ecos de Borges a dessonhar as quimeras.

Esculpindo o indecifrável.

Fragmentos do limbo ensimesmam a melancolia.

Líquens deliquem em festins de felações impudicas. 

O apogeu do epigeu faz jus à modernidade insuportável.

Detendo-se na espessa ausência rimbaudiana. 

Poemar não é mais preciso.

A um passo do cadafalso, tudo que é falso range.

Exorbitâncias estupefatas liquefazem 

o sangue de barata.

O descompasso premedita o inesperado.

Cai a noite e a lua demora.

Barcos exaustos retornam alados.

A calmaria assenhora-se das horas.

A ventania festeja a vitória e a derrota.

Eros ferozes despedaçam-se a vista de Lebos.

A tara de Tirésias é nosso sonho de consumo.





quinta-feira, 20 de julho de 2023



                  pequenas partilhas





Bem pouco na vida é duradouro.

Bem pouco se retém, além de inefáveis pequenas partilhas, 

findas ou infindas.

O vasto mundo se reduz a bulha oca da alienação,

em meio a indomável vocação para a incúria.

A vida não se faz a não ser contra a não-vida.

A vida não se faz a não ser fora da vida.

Destruir e postular povoam o novo e o antigo.

De tempos em tempos tudo acaba e se renova.

O insano jogo é o jugo que permanece.

Em pequenos apocalipses, o homem ama e odeia,

atrai e repele.

Como uma maldição hereditária.












quinta-feira, 13 de julho de 2023



                razão de viver





O que perdi quando me achei ?

A razão de viver ? 

A vida sem rumo ?

A fuga completa de ser ?

Os desejos se opõe a sonolência dos cursos.

A matéria conspurcada ornamenta o lento processo

que resiste a violência do tempo.

Em busca de achar-me, abraço a transitoriedade

de tudo

com os sentimentos revoltos.

O que deixei pelo caminho mofa nos desvãos da memória.

Se agora me interrogo é porque não tenho

mais nada a perder.

Pouco importa o que fui, se o que sou

remonta às coisas que não aconteceram.

Vivo em função do que nunca aconteceu.













  

segunda-feira, 10 de julho de 2023




                  
                o milagre da espera






Vivo o milagre da espera.

Ou a espera do milagre.

Debruçado sobre dias sem perspectivas.

Em que tudo parece já ter sido.

Amadureço o porvir para longe de todo

e qualquer lugar.

É simples quando não se sabe para onde ir.

Quando o fim é apenas um atraso.

As diferenças se assemelham quando descendem 

do exagero.

Ou da penúria.

De túnel em túnel, a luz se apaga.

A covardia de viver falsifica-se

para aplacar o cansaço de abraçar o mundo.

Chega um tempo em que não há mais tempo 

para queimar etapas.

Não há virtudes sem fins lucrativos.

Nem quem não caia numa boa conversa.

O que mais há é gente se passando por boa.

Pactos (e himens) existem para serem quebrados.

Tudo está perdido, portanto, aproveite. 

A vida é bela. No silêncio e no escuro.

Como diria Hamlet, há algo de podre 

em cada quintal. 




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