Tente.
Insista.
Não desista.
Nada é perdido
se não for vivido.
navegar é preciso
Questões comezinhas nos tiram do sério.
Entorpecidos, seguimos em meio a almoços rotineiros
e distrações frívolas.
O smartphone tudo provê.
Gurus de araque e a inteligência artificial
dispensam o raciocínio.
Breve máquinas tomarão conta de tudo, se é que
já não tomaram.
Imbecis jogam roleta virtual e tudo bem.
Espertalhões criam riqueza em sofisticadas
pirâmides financeiras e tudo bem.
Incongruentes e obtusos, assistimos a tudo impassíveis.
Inútil protestar. Inútil se rebelar.
A vida suspensa dispensa a vida de verdade.
Basta curtir, seguir, compartilhar, sem sair de casa.
Agora como antigamente, "navegar é preciso,
viver não é preciso."
delirante e heróico
Dentro de mim, o tempo que passou permanece
em algum lugar além da memória.
A vida exausta espreita o prometido repouso
como um guerreiro agonizante.
Que já não tem por que lutar.
Das batalhas vencidas e perdidas, só ficaram as feridas.
Tudo que me era de mais caro se desfez
ao longo da jornada.
Um lento morrer de belezas letárgicas
consome os sóis necrosados.
Tenaz, a vida abandona-se à sorte que a embosca.
Num epílogo de luzes ilumina-se o envelhecer
delirante e heróico.
Por osmose, abranda-se a conflagração das mentiras
e dos melindres.
Contra tudo que a existência deu e levou, eu ainda
guardo a ideia louca de ter sido feliz.
oquidão
Consome-se o amoroso temor que se eleva
além das asas.
Recriando a si próprio em febril diafanidade.
Ah, o impalpável fracasso dos devaneios !
Os astros choram pelo iracundo amor que os embeleza.
Todas as vozes permitem-se auscultar os idiomas
que ferem e mutilam.
Herméticos presságios presumem a dor que não se cria.
Quisera degustar o mel que mascara a grandiosidade
das quimeras.
Entardeceres de fugazes lembranças rondam a oquidão
circundante das lonjuras.
Onde o brusco amanhã repete-se, inédito.
O tempo que aflora amadurece até a incandescência.
Para que a perfeita crueldade se nutra
do gozo puro dos algozes.
idílio
No limiar do finito
ecoa
meu canto inaudito.
Sem passado nem futuro,
prematuro e gratuito.
Ante o fulgor pesaroso da terra,
amanhece a agonia dos amores ferozes.
Morrendo em gotas sob o retumbar
de emanações pétreas.
Espreita-me o abismo das fadigas.
Nada me ocorre agora que satura-se
o lustro dos vernizes.
O racimo dos prantos incha-se de paixões.
O provar dos rancores erige filhos da mesma morte.
O tédio inapreensível presenteia-se com seu cansaço.
Tudo se consome até o silêncio.
Vejo o que não vejo passar em angustiante abstinência.
Não obstante, o amor recria-se em graciosa desdita.
Onde nada nem ninguém nunca
detém o idílio dos desejos e sonhos.
o gosto de todas essências
Vêm águas dormidas
esconder o luzeiro da lua brunida.
Em silêncio, o pássaro cativo adivinha-se
distante da fruta proibida.
Perfumes paradisíacos dão graças
ao desejo lânguido de lábios adolescentes.
O passar desnuda luminescências atrozes.
Ausências confundem-se com a lenta perplexidade
dos adeuses.
Pois devemos penar, sós, como num deserto.
Para provar o gosto de todas as essências.
O breu de todas as fadigas.
Até que a vida reflua como um repousar de barcos
na singela quietude da praia.
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...