domingo, 17 de março de 2024



                                 meus versos, meu inverso





Como aquele que busca o Graal, 

desejo o inusual, 

atributos implícitos e explícitos que se locupletem 

em estrelas, harpas, luas novas, 

patas prateadas de animais,

versos em pedra esculpidos.


Desejo a beleza crispada de flores pendendo

de uma distante escarpa.

A proficiência de um formigueiro ou de uma colmeia.

A placidez de um lago repleto de patos.


Quisera o dom de auscultar os sentimentos imorredouros,

professar a ilesa solicitude sem mérito nem desdouro,

em busca de faróis em mares nevoentos.

Escrever com a intensidade de quem retorna de uma guerra.

Como quem despertou de um coma.

Meus versos, meu inverso.















                   de mãos dadas



Desejos inconfessos trilham abismos de silêncio

e prevaricação. 

O mal que nos perscruta remonta à promoção do prazer.

A luxúria define a oportunidade e a conveniência cria

as circunstâncias.

A mente engendra tramas a fim de justificar-se, para alimentar

suas longas doenças.

Ambição e traição andam de mãos dadas.





sábado, 16 de março de 2024



                     viver é bom





Viver é bom mas melhor ainda 

é ter a si mesmo como mestre.

Para o que der e vier.

Paciente e humilde como um apanhador de centeio.

Capaz de ver, retrover, introver, 

levitar,

abraçar o mundo matizado de estigmas et frutos altivos, 

descobrir o alfabeto das formigas  (como Manuel de Barros),

ter fome de pedras (como Rimbaud),

fazer do inconformismo ponte para convergências,

evadir-se da realidade para substituí-la por outra que se 

contempla, renascida.

Despertar para aquém e além dos roteiros expectantes, 

vagando em vinhas que se embriagam de esperar.

Seguir em frente sem saber para onde ir,

entretido com o precário dom de existir.

Eximir-se de entender, para assim dispensar os porquês.


Viver é bom mas melhor ainda é desfrutar

da prazerosa companhia do amor.

É voar longe,

perscrutar novos horizontes.

Sem nada para justificar.

Leve, solto, livre para viver tudo

sem sair do lugar.





sexta-feira, 15 de março de 2024



                       sobrevida





Me acostumei ao que não tenho.

O que não posso ter se inebria de sonhos eróticos

e cios recentes.

Por todos os poros de mim reverberam 

os desejos insatisfeitos, 

queimando pontes e investindo contra a normalidade

doentia da realidade sem futuro.

Não espero compreender nem ser compreendido.

Não espero convencer nem ser convencido.

Não há entendimento entre os homens.

Vida, vida minha,

já me basta o redemunho em que me vejo lançado.

À beira do abismo debruçado, errando pelo mundo

entre o prazer e a fadiga.

Bom mesmo era ser criança, sem planos nem expectativas.

O coração limpo e aventureiro.

Eu me proclamo melhor do que sou, mas que ninguém

nos ouça.

O que me falta, já esqueci.

Faço dessa minha quase obscuridade um templo grego,

o patíbulo de um mártir, o que eu quiser.

Levo-me para onde possa confabular 

com a insaciabilidade.

Tudo o que me rodeia e me serve 

alimenta os poemas

que me deram uma sobrevida.





















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terça-feira, 12 de março de 2024


                               o sonho dos sonhos





Sonho com solidões ruivas falsamente castas.

Sonho com silêncios mudos que fendem o tempo inaudível.

Sonho com lutas e lutos que assombram as ratazanas históricas.

Sonho com lúgubres responsas misturadas a enfermas mutações.

Sonho com os passos erradios do amor sem dono.

Sonho com paradoxos que enovelam a vida e legitimam

os sufrágios.

Sonho com mendigos abençoados e ricaços debruçando-se 

na ponte dos suicidas.. 

Sonho com paisagens mortas e orfandades entrelaçadas 

de roteiros estanques.

Sonho com mares de ternura e quarteirões de afetos perdidos.

Sonho em respirar, alhures, novos ares.

Sonho todos os sonhos soerguendo-se 

depois de cada queda.


      

domingo, 10 de março de 2024



                              rendição





Esta fugaz felicidade que caminha

à sombra de todas as desventuras, 

formulando hipóteses,

imersa em cantares lassos,

remonta, paradoxalmente,

à própria perda de cada coisa amada.

Cuja ausência, arduamente trabalhada, 

cuidadosamente talhada,

vem de ser a rendição à natureza pueril

da vida.

À transitoriedade de tudo.

À arte de destruir o mundo, 

reconstruindo-o.



sábado, 9 de março de 2024



                     caçador de utopias






Nada me prende a nada.

Que me prende a tudo.

Meu coração urbano 

nunca deixou de ser cigano.

Sem rumo, sem rima, 

caçador de utopias,

vive de fugir a realidade.

O que sobra é a fantasia.



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