sábado, 4 de maio de 2024


                        a paciência da espera




Aprendemos assim, na marra.

Quem hoje ri, amanhã chora.

Não se trata de destino, sina.

É apenas a vida que peregrina.


Como dizem os falsos oráculos

e adjuntos, 

pombo e falcão não voam juntos.


Veio o verão sem sol.

Veio o plantio sem colheita.

Veio a negra indiferença.

Veio o amor sem esperança.

De que vale a vida sem o sorriso

de uma criança ?


O duro silêncio tudo acalma.

A palavra revisada emudece a mente.

O sujo e o feio de olhos esbugalhados.

A paciência da espera ignora

o terror da solidão.

O homem que tudo come

enche a barriga

mas não mata a fome. 


Tudo é falso até que se prove 

o contrário.

De nada em nada, il vento 

come fa se tace.

Vão-se as folhas, e recria-se o novo.

Vagos, risonhos, fátuos sonhos.







 



sexta-feira, 3 de maio de 2024


                             a fuga dos caminhos





O verdadeiro recria-se como um ovo.

Súbito, o sonho de Cervantes faz-se alto e real.

A fim de compor poemas cáusticos.

O remoto segue adiante surdo ao novo, articulando

esboços de mil mesclas.

Você protesta mas ninguém escuta.

Quer revidar mas não consegue.

Você está vivendo a vida de outros mas não

consegue mudar. Que merda, hein ?


Perdido na fuga dos caminhos, tudo se torna ausente 

sem quebrar.

Teu lamento abriga tardes antigas, farsas, falácias.

A ferida que não fecha, ignorada e pisada,

cala e consola.

Onde as nuvens rangem e os telhados choram

lutar é proibido.

Não há saudade nem temor no encanto de falsas sereias.

Sobre prebendas de incompreensões paira a poeira

dos desencontros. 

O que dizem de ti não importa.

Pior seria se não dissessem nada.








 

quarta-feira, 1 de maio de 2024


                                        exaltação do dia



Na exaltação do dia

Inverdades sinceras

Queimam as heresias

Acordam sonhos

Colhidos às pressas.


No dia perfeito

O adeus se despede

A doçura brota

De escolhas equivocadas

Coração vazio

De mansa vastidão.


Desejo frio

Desejo no frio

A cama vazia 

A noite em branco

Sonho ao contrário

Acordado.


Plenitude do tempo

Crinas de vento

Lentos entraves

Resgates despertam

A mente assassina

Descortina a memória.


Não procure a verdade

A verdade te achará.



terça-feira, 30 de abril de 2024


                    refugos do mundo


A urbe silencia entre imagens gastas.

A multidão rasteja como uma centopeia cega,

sem rumo e sem saída.

Arrastando renques de torturadas vértebras,

sob o olhar duro de um vil magistrado.

A espaventosa guirlanda de valores necrosados

envergonha os noticiários.

Nem os pensamentos escapam a censura.


Inútil contestar a máquina fóssil que persegue 

convulsos féretros.

O monstro togado escogita iniquidades impudentes.

Palavras a esmo desdenham dos patriotas castrados,

enquanto a urbe estronda parlengas ludopédicas.

Refugos do mundo monopolizam as atenções.

Águas do dilúvio ancestral lava os confins da terra.

Enquanto o pior não chega.



segunda-feira, 29 de abril de 2024


                         nós e os outros





Não procure o que não existe.

Não do jeito que você pensa.

Não nos outros.

Mesmo de quem você ama.

Expectativas sempre ficam aquém da realidade.

Porque os outros se mascaram.

Porque os outros dissimulam.

Porque os outros se compram e se vendem.

Mas, lembre-se, para os outros, nós somos os outros.

Mentira, traição, náusea, são as únicas garantias.

O mal atrai o mal e ambos se entendem.

Cumpre libertar-se do jogo perigoso das aparências.

Separar o silêncio da mordaça.

Tudo que é divino sucumbe diante do real.

A lucidez se forma oculta e embriagada.

Só o que é impessoal e livre perdura.

A margem de ti hiberna a própria vida desejada.

Não há amor imaculado nem tardes limpas.

Porque amei como se o amor fosse eterno.

E quebrei a cara.




domingo, 28 de abril de 2024




Chove. 

Simplesmente chove.

Sem metáforas. 

Fim.





                     apoteoses invertidas


Em nome das desditas cotidianas, o eterno caos 

arma e vela 

a via crúcis dos dias impuros.

Sob o torvelinho mudo da existência pulsam 

chagas e estrelas.

Tudo acontece à revelia das inocências 

perdidas.

Meu palco dos acontecimentos desmonta

as apoteoses invertidas.

Espalho as cinzas dos malogros pelos campos

floridos da juventude.

Ébrio das próprias fantasias.



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