domingo, 12 de maio de 2024


                pare de encher o saco de Deus





Pare de encher o saco de Deus.

"Não pronunciaras o meu santo nome em vão", já esqueceu ? 

É um dos mandamentos que você teima em esquecer.

Pare de associar tudo o que lhe acontece à vontade de Deus,

cada um cava a cova de seu destino, para isso Ele nos

delegou o livre arbítrio, e cá pra nós, 

é muito comodismo

de sua parte deixar tudo nas mãos dele.

É patético ficar o tempo todo agradecendo, louvando,

como se as coisas boas que lhe acontecem sejam

uma dádiva divina, e automaticamente, uma prova

de que você é uma boa pessoa, sob a homologação 

do Altíssimo.

O que está longe de ser verdade, convenhamos.

Sob esta lógica falaciosa e facciosa, todos os poderosos, 

abastados e afortunados de toda natureza 

o seriam por deferência especial do todo-poderoso.

Não é por aí, claro. Mas é o que transparece desse 

tipo de discurso

religioso-louvaminheiro que muita gente professa.

Que não evita que a sorte mude, e desgraças e tragédias

advenham para todo mundo, basta dar tempo ao tempo.


Longe de mim desencorajar e muito menos 

desdenhar da fé alheia. 

Que cada um sente e exerce à sua maneira.

O que importa é neutralizar o estilo kamikaze de

de viver, excomungar a tristeza,

santificar a alegria.

O resto é heresia.








 


 










                                                     fulano de tal





Os ruídos da cidade rompem as litanias festejantes. 

A multidão obediente vai e vem, devidamente 

pautada e rastreada.

Ruminando causas perdidas.

Respirando o ar poluído da privacidade

vigiada.

No pleno gozo da liberdade sujeita aos humores 

de magistrados biltres.


A via modernosa trespassa-se no fio da navalha.

Qualquer descuido e a maionese desanda.

Do nada, a casa cai. 

Ao essencial averba-se o dízimo de pau e pedra.

Estraga-se a vida em excelsos jogos.

Dissolvida em desejos castrados e alegorias multimídias.

Desvirtuada por amores tortos, overdoses de funks 

do baixo meretrício.

A bulha dos inconformados exorciza os adoradores

de umbigo.


O tempo das verdades sonegadas guarda segredos 

enfurecidos.

Destextualizar a indignação coletiva inaugura a era

da pseudo-democracia.

Os paradoxos convivem naturalmente, até quando ?

O difícil desacomoda-se correndo riscos.

A incomunicabilidade é a trincheira da última bala.


Cúmplice de muitos e finos tratos, fulano de tal

rendeu-se a linguagem gloriosa e guerrilheira

da indignação recidiva, 

reconhecendo a dualidade de não sentir falta

do que não se vive sem.

Poderia ser alguém conhecido, alguém

entre inúmeras pessoas cuja existência ignoramos,

num tempo hipotético, de longos caules,

saindo do armário, nem doce nem amargo,

impregnado de valores abstratos,

o próprio proto-macho-moderno-hermafrodita

num rio de piranhas, morrendo de sede no

líquido amniótico, privado do sol da própria casa,

entre avencas, lírios, rosas, articuladas em tempos

difíceis, com fome de mísseis e amores putrefatos.


Um fulano de tal ungido e compungido pela palavra asfixiada,

avant la lettre a metafísica das loucuras, a fim de libertar 

o fogo trancado,

as cataratas de oceanos, em pleno exercício de remissão, 

para que as profecias se cumpram e os cardumes

de sardinha encontrem paz na pança das baleias.


Um fulano de tal que busca a perfeição que não existe, 

o entendimento que santifica o profano, saciar a fome que

alimenta a carne, despoluir o espírito do peso da salvação,

o alter ego mais cego que morcego, 

o candeeiro de estrelas cavalgando o olimpo, escassez ou

excesso, tanto faz.


Um fulano de tal que sonha partir desta para melhor triunfalmente,

perdoando a mágoa, liberto e reconciliado com as entristecidas

células, limpo de espírito, em paz com o Altíssimo, frutificado

sobre a terra o seu quinhão à criação, pronto para cumprir o

destino glorioso do Bardo Thödol. 


Que assim seja, AMÉM !   



















  



sábado, 11 de maio de 2024



                       gênesis e apocalipse




 

A salvação do planeta 

não tem data marcada,

mas o fim, sim, já faz

as honras da casa.


À beira do colapso,

alheia às causas e efeitos,

a força da natureza se antepõe

à luta pela existência.


Pesadelos à espreita, a radioativa 

ampulheta em contagem regressiva

emite os alertas, com a sucessão

de cataclismos de toda espécie.


Ergue-se o fênix dos ciclos da morte,

transmutado em egoica fraternidade.

Enquanto o gênesis e o apocalipse 

lacram o jardim do Éden.


  






              lembrando o que merece ser lembrado





Antes que eu esqueça de lembrar

o que tento esquecer,

recordo o que passou como pequenas

lápides às margens do destino.

Lembranças que estilhaçam o presente engendram

um existir e inexistir complexo.

Não que nada tenha valido a pena.

Não que tudo tenha escorrido pela sarjeta 

ou se perdido em roteiros imundos.

Debruço-me sobre meu passado como quem

se acostumou ao acostumável.

Elaborando circunstâncias próprias.

Escondendo-me atrás de pequenas fortalezas. 

Pregustando o amanhã possível consolando e sendo

consolado.

Lembrando o que merece ser lembrado.

O melhor e o pior encadeados.

Exaltação e rancor de vaginas cansadas.







quinta-feira, 9 de maio de 2024



                          causa e efeito



Água e fogo consomem a terra de encantos e temores.

À condição humana impõe-se as misérias de cada dia.

Leis que regem o universo ignoram o princípio e o fim do Verbo.

Só perduram no tempo as larvas que corroem os defuntos.


Não há nada de novo sob o antigo sol.

As infinitas variações de causa e efeito saturam-se

de séculos e estrelas.

Somos aqueles que emergiram do barro para profanar a Criação.

Confrontando a avara sorte a fim de evadir-se dos dias 

consagrados ao inútil.


segunda-feira, 6 de maio de 2024



                               de segunda a segunda




 


A vida se mascara e se revela

perto e longe de tudo. 

Andamos à esmo buscando saídas

dos embates que travamos dentro do peito.

Fiéis a crenças que emburrecem.

Aventurando-se em enlameadas lutas.

De segunda a segunda.


Elegias de cansaços enlaçam as cidades 

frias e cálidas,

acorrentadas as humanas labutas.

Criaturas inermes pululam, anestesiadas.

Esforços falsificados crescem soltos no asfalto.

De segunda a segunda.


Gente diferente de além-mar entoa

hinos de amor e guerra.

O drama da convivência dispensa tréguas.

O fulcro do tempo circular andeja 

em lúgubres responsos.

De segunda a segunda. 


Aqui e agora a história se repete.

Falta comida na mesa.

Falta esperança e alegria.

Falta tudo o que não pode faltar.

O mundo não se desvenda como

um palco quimérico.

Tampouco a vida se faz de rogada.

De segunda à segunda o bicho pega.








domingo, 5 de maio de 2024



                                    regresso





Saem os barcos para o mar, sabendo 

que podem não voltar.

Assim o tempo de Deus se põe-se de pé, 

veraz e inapelável.

Nele adentra o denso sol da tragédia, as vertigens luminosas

das devoções, o despertar entre os mortos. 

Que anoitecidas formas de ser conjuram o turvo

das águas dormidas ?

Alheio ao perigo, abrasam-se os anseios em meio

aos escombros cotidianos. 

Nada importa afora o clamor das privações.

Já não poder vencê-las sem provar o torpor exausto

dos desejos, eis o enfurecido repto.

Que olhos do mar espreitam os dibujos del puerto ?

Não mais que sempre se mostra o mundo partido, 

as âncoras da vida arrastando as sagas contratuais,

os monopólios da infância, 

as baldrocas oratórias. 

Saem os barcos para o mar sabendo

que podem não voltar.

Mas quase sempre voltam. 

Isente-se o coração quando o nítido rosto 

sem feições do amor 

regressa.

 



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