ai de quem
Ai de quem reclama da vida de barriga cheia.
Faz jus a uma bela caganeira.
Ai de quem inveja e sacaneia.
Pois nunca sairá da merda.
Ai de quem joga sujo e trapaceia.
Acaba sem eira nem beira.
a última casca
( ou o amor temporão)
O amor nunca acaba.
Mesmo quando acaba.
Enquanto há vida,
de um jeito ou de outro,
o amor sempre se renova.
Nunca morre,
apenas muda de casca.
Digo-o porque amei e fui amado.
Fui feliz e desenganado.
A ponto de me endurecer o coração maltratado.
Mas eis que quando já mais nada esperava,
cansado e desiludido,
o amor ressurge gigante
da forma mais sublime e cativante.
Como só o amor por um filho pode ser.
Pois bem-vindo seja, meu novo
e definitivo amor.
Que a vida te retribua a incomparável
felicidade que vieste me proporcionar.
Esteja certo de que mais que uma simples
casca,
é de uma armadura que este amor temporão
se reveste.
o futuro é breve e sombrio
Em vão o cosmos articula
o sangrento pacto com o desconhecido.
A realidade de fogo destrói o mundo postulado
pelo mistério de existir.
Um homem morto na cruz resplende à clâmide
da ciência austera e calma.
Úmida raiva verte lágrimas ardentes.
Quando, ao pé do Criador, o horror fecunda
as vigílias sem fim.
Fuga e pó cobrem o zênite malsinados dos horizontes.
Tudo fenece sob a paz estrelar do universo.
Em cada ríspida mudez, a fúria lasciva e louca
blasfema o amor.
A despeito da eterna luta da sobrevivência,
nascemos para incendiar as florestas e sujar os mares.
O futuro é breve e sombrio.
a beleza nunca morre
o que fazer das certezas que hoje
já não tenho ?
o que fazer com tudo em que acreditava,
e que agora jaz em sono macio e terrível ?
onde foram parar os sonhos, a beleza crismada
da juventude extraviada ?
qual o destino do que já não é eterno ?
são tantas perguntas sem respostas
que aos poucos todos se igualam na desdita.
até os mais fortes se ajoelham
ante a maldição perene das desgraças.
só há paz na solidão dos cemitérios.
só há paz na libertação dos efêmeros prazeres.
só há paz nas coisas mais simples.
como toda matéria em movimento,
a beleza nunca morre, apenas se esconde,
se transmuta.
os dias escuros iluminam os espíritos atormentados,
para que a fraqueza se transforme em heroísmo.
para que a monotonia atroz dos dias que não passam
perfume os caminhos mais solitários e vazios.
chegar é o mesmo que partir
É preciso viver além da vida para perscrutar
os hemisférios da alma.
A fim de que o pó se decomponha em antimatéria.
E o findar da mísera farsa possa resolver-se, a despeito
do mutismo exaltado dos claustros.
Que estranho instante-luz é este que revive
a urdidura do querer subjacente ?
É precisamente impossível prever o momento
em que o carrossel da vida desanda.
Pessoas e estrelas se olham, desapontadas.
O mundo antigo enche a mansa manhã de vazios.
Distraídos, amor e luto vestem o mesmo corpo.
A força do querer abarca a amplidão que desencaminha.
Tudo se funde em partes sangrentas, tédio escuro perpetua
o desespero humano.
Acreditamos, vagamente surpreendidos, que amar é divino,
enquanto arranca do mais fundo a tua pureza.
Com a porta aberta e o coração partido, chegar é o mesmo
que partir.
o vício da beleza
Depois de um tempo, tudo perde a graça.
O vício da beleza um dia acaba.
O consolo é que as perdas nos tornam fortes.
Contam-se os anos em detrimento dos sonhos.
Uma sabedoria inútil flui através dos cansaços.
Agora que tão somente a falta do amor permanece,
minha poesia morre por falência múltipla de afetos.
o velho amor
O tempo,
que é o mais longo dos caminhos,
enxovalha e purifica,
amaldiçoa e beatifica.
Nos autos-de-fé da alma, a carne queima
em impiedosas fogueiras,
para que se cumpram
os mundanos ritos.
Vivemos de esquecer, para sobreviver
nem sempre esquecendo,
e por isso mesmo padecendo.
Os mortos velam sua própria memória,
em perdidos e resgatados sonhos.
A fuga do tempo procura a nostalgia e o olvido.
Cada remordimento pressagia o que ganhamos
e o que perdemos.
Defenestrado, o velho amor resigna-se
a estes versos.
o que é bom, é bom A vida leva tudo de roldão Nada se detém, nada se retém O que vale é viver o momento Não importa o...