sábado, 17 de agosto de 2024


                                  movimentos




             

O primeiro movimento

transborda espólios preciosos e intransferíveis.

O intangível vai ao encontro do que se afasta, desviando

da alegria.

Façanhas com palavras gestam exegetas banais.

A ordem desregrada do progresso desanda o processo.

O gosto postiço dos dias sonha com sinecuras virtuais.


O segundo movimento

surge em meio ao invisível, encaixotando

corações que não se deixam apaixonar.

Acima e abaixo do horizonte, vigílias sentimentais

debatem-se em contínuo desalinho.

Edificantes e inconclusas.


O terceiro movimento

engole sapos e entope pias.

O pavor da vida embosca ciladas.

Sem que ninguém saiba por que, o verso-utopia 

tece loas a miséria dos cânticos.

Raiará o sol

antes que o dia morra ?


O quarto movimento 

segrega caçadas humanas e prisões altenativas.

Cogumelos de fogo ornam a dissecação do hipocampo.

Beijos de amianto conflagram a lonjura das ausências.

A história se repete contra a verve sibilina. 

O dito pelo não dito sempre prevalece.


O quinto movimento

desconhece o vômito dos oceanos.

Almas famintas encalham na areia à procura de conquistas.

A ronda noturna da polícia enquadra a ira dos postes.


O sexto movimento

abriga os desejos não recuperados, súplicas

por vontades algemadas, prazeres cínicos, amores aviltados. 

A deformidade da dor dispensa analgésico.

O sexo no cimento desfigura a paisagem.

A multidão solitária dorme sob o batuque ensurdecedor 

do silêncio.

Ninguém mais ama, apenas tolera.


O sétimo movimento

acredita na força do zero à esquerda,

na nulidade que faz a diferença

quando, de repente, 

crava um punhal no oceânico nada,

e planta ferraduras no normal.


O oitavo movimento

vem à reboque da derrocada, enganado 

pelo escuro, a barriga vazia mastigando a boca,

entre vacilações perpétuas que espantam

as cosmogonias mal-ajambradas.

Aldeia global, que solidão !

O relativismo filosófico é a pauta do dia.

Digressões a mais, conjecturas à menos.


O nono movimento

confia no mal, na cegueira da luz, no diploma

dos impostores, nos caminhos tortos,

na vileza dos astutos, 

nos que legislam em causa própria, nos que mentem

por uma boa causa, nos trambiqueiros, farsantes,

caloteiros, adúlteros, 

em você,

irmão, irmã, 

meu igual, meu antípoda,

a quem esses versos dedico.


 




                          todas as cores da paleta




quando você se permitir

voar acima dos obstáculos

deixar-se guiar pela intenção dos olhos

aceitando a proposta das lágrimas suspensas

sendo o epicentro de si mesmo

abrace a sua verdade triste

faça valer todas as cores da paleta

e veja o sonho tornar-se realidade.






                   podem me chamar de proesia



Cada coisa que transpõe o conhecimento transforma

o entendimento.

Os esgotados caminhos se renovam, quando

a compreensão encontre o seu uso.

A procura de novos amanhãs remonta às origens 

das adegas libertárias.

Contrapondo-se aos dias que se foram, a memória litiga

em causa própria.

A límpida manhã se desforra transpondo os falsos

meridianos.

O medo da claridade mantém-se acordado, ensimesmando

 o confuso aprendizado.

Velhas vontades e amizades gastas impelem as efabulações

sem valor.

O caminho do pai não é o mesmo do filho, por mais

que se diga o contrário.

Quando o dia demora e a noite não chega, não adianta

ter pressa.

O que não se cria, se copia.

Nem prosa, nem poesia : podem me chamar de proesia. 




 





quarta-feira, 14 de agosto de 2024


                               a verdade tem mil caras




De qual verdade estamos falando ?

A minha, a sua, a dos outros ? Meras palavras

permeadas de enigmas.

Verdades, nada mais enganoso.

Na boca do juiz venal.

Na liturgia obscura dos credos assassinos.

Na versão dos farsantes, vigaristas, demagogos.

A verdade de cada um se sobrepõem ao direito, a justiça,

a própria liberdade.

A verdade de mil caras.

A verdade de leis retrógradas.

A verdade de ditadores, déspotas, mentores, gurus

de araque.

A verdade da História, dos mitos, das lendas,

dos livros sagrados.

A verdade do amor.

Tudo é discutível.

Tudo muda conforme as circunstâncias.

Tudo que começa e acaba está em constante

transformação.

Eu não sou o mesmo de ontem.

O meu amor não é o mesmo de ontem.

A morte é a única verdade absoluta.

Até que se prove o contrário.




                                   a arca de Noé



Um iceberg flutua emocionado

no Mar do Norte. 

À procura, quem sabe, de um lugar que não

lhe pertença.

O enigma glacial bafeja novos ares.

Sob o brilho monstruoso das ruas londrinas,

poças d`água sonham com James Bond.

O cenário desfigura-se em rotas antigas.

A cronologia acústica remonta ao chifre dos vikings.

Meteorologistas piram, antevendo o naufrágio do Tâmisa.

Sem palavras, o monolito interrompido descreve o secreto

arco do passado.

Não quero a minha volta o que a realidade não suporta.

O entendimento não alcançado derrete a metonímia

das metáforas.

O degelo iminente requer novas arcas de Noé.

Em que os bichos querem ser humanos.





terça-feira, 13 de agosto de 2024



                             olhares familiares



Não se distraia.

Não se perca.

Neste lugar de uterinas morfologias, 

a linguagem crepuscular 

antecipa a cegueira iluminada de sombras.

O centro oco fecha-se sobre si

como uma doença terminal.

As estações sobrepõem-se como gigantes irresolutos.

Tu te reconhece em mim com virtuosas ignorâncias.

Não nos julguemos, pois.

O sentido do inviolável abastece-se de incoerências.

Olhares familiares às vezes é tudo o que precisamos.

Precisando ou não.




                        horizontes sem horizontes



Lá pelas tantas

vestiremos as roupas siderais ( funérias ?)

para comungar o maior dos enganos.

Não será um adeus, apenas um até breve,

até que os sepulcros marejem carinhosos silêncios.

Todos os passos marcham para horizontes

sem horizontes. Tão próximos

e tão distantes como a falta de amor.

Dia virá em que nada mais importará, além

dos itinerários hipotéticos escondidos nos guarda-roupas,

pendurados nos portais do moderno-ancho-mundo.

De cujas sarjetas imundas postulamos a vida eterna.







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