movimentos
O primeiro movimento
transborda espólios preciosos e intransferíveis.
O intangível vai ao encontro do que se afasta, desviando
da alegria.
Façanhas com palavras gestam exegetas banais.
A ordem desregrada do progresso desanda o processo.
O gosto postiço dos dias sonha com sinecuras virtuais.
O segundo movimento
surge em meio ao invisível, encaixotando
corações que não se deixam apaixonar.
Acima e abaixo do horizonte, vigílias sentimentais
debatem-se em contínuo desalinho.
Edificantes e inconclusas.
O terceiro movimento
engole sapos e entope pias.
O pavor da vida embosca ciladas.
Sem que ninguém saiba por que, o verso-utopia
tece loas a miséria dos cânticos.
Raiará o sol
antes que o dia morra ?
O quarto movimento
segrega caçadas humanas e prisões altenativas.
Cogumelos de fogo ornam a dissecação do hipocampo.
Beijos de amianto conflagram a lonjura das ausências.
A história se repete contra a verve sibilina.
O dito pelo não dito sempre prevalece.
O quinto movimento
desconhece o vômito dos oceanos.
Almas famintas encalham na areia à procura de conquistas.
A ronda noturna da polícia enquadra a ira dos postes.
O sexto movimento
abriga os desejos não recuperados, súplicas
por vontades algemadas, prazeres cínicos, amores aviltados.
A deformidade da dor dispensa analgésico.
O sexo no cimento desfigura a paisagem.
A multidão solitária dorme sob o batuque ensurdecedor
do silêncio.
Ninguém mais ama, apenas tolera.
O sétimo movimento
acredita na força do zero à esquerda,
na nulidade que faz a diferença
quando, de repente,
crava um punhal no oceânico nada,
e planta ferraduras no normal.
O oitavo movimento
vem à reboque da derrocada, enganado
pelo escuro, a barriga vazia mastigando a boca,
entre vacilações perpétuas que espantam
as cosmogonias mal-ajambradas.
Aldeia global, que solidão !
O relativismo filosófico é a pauta do dia.
Digressões a mais, conjecturas à menos.
O nono movimento
confia no mal, na cegueira da luz, no diploma
dos impostores, nos caminhos tortos,
na vileza dos astutos,
nos que legislam em causa própria, nos que mentem
por uma boa causa, nos trambiqueiros, farsantes,
caloteiros, adúlteros,
em você,
irmão, irmã,
meu igual, meu antípoda,
a quem esses versos dedico.