sábado, 19 de outubro de 2024



                   o ressignificado das coisas





 

Tudo na vida carece de ser revisto, revisado.

Conceitos, opiniões, estão sempre sujeitos a mudanças,

novos enfoques.

É preciso atinar com o ressignificado das coisas.

O que há por trás das aparências, do jogo de interesses.

Entender o seu papel requer estar atento a linguagem

cifrada do gestos e símbolos.

Saber distinguir a realidade da imaginação.

A representação do mundo abastece-se de inteligência

cega e de opressivas verdades.

O ressignificado das coisas desmonta a armadilha dos 

enganos, ilumina a decadência das virtudes.

As máscaras que caem escancaram o despropósito dos pactos

sem sentido.

Certezas metafísicas, palavras e promessas vazias,

no fundo meras masturbações mentais de relações

superficiais. 

Ninguém jamais se cura dos próprios males

sem a ascese dos disfarces.

Ser como se fôssemos deixa-nos à deriva de perguntas

(im)pertinentes.

Para que eu sirvo, afinal ? - é uma delas.




 










quarta-feira, 16 de outubro de 2024


                             barganhas


Tudo está sujeito a barganhas.

Concessões, afetos.

Tudo é negociável, tudo tem seu preço.

Até o cu.



domingo, 13 de outubro de 2024


                      o elogio da mentira





O capiroto poderia argumentar : se é tão difícil 

encarar a verdade, 

o que há de errado

em mentir, enganar, esconder ?

Se a verdade nua e crua inviabiliza qualquer relação ?

Se somos os primeiros a nos enganar ?

Ao acreditarmos.

Ao nos iludirmos.

Ao nos acharmos melhores que os outros.

Tudo mentira deslavada que nos auto-impingimos. 

Ninguém sabe o que se passa em nossa mente.

Ainda bem.


A vida é um grande desfile de máscaras.

Qual a verdadeira, nunca se sabe.

Acreditamos no que nos convém.

Pode não ser o mais sábio, mas é o mais prático.

Somos mais felizes convivendo com a mentira 

do que com a verdade.

Essa é a verdade.

Ou a maior das mentiras.

Nunca se sabe.




quinta-feira, 10 de outubro de 2024

                    

                           burro cansado




Não me leve a mal, não se chateie. 

Gosto muito de você, mas gosto ainda

mais da minha liberdade. 

Entenda, ganhei o direito de morar sozinho.

Não gosto que mexam nas minhas coisas.

Tenho mania de limpeza, ronco, 

durmo e acordo cedo,

gosto de ouvir música alta, jazz,

blues, os clássicos que você abomina.


Não, Margarete, morar junto não ia dar certo.

Você é gente boa, merece alguém melhor,

que goste de funk, de acampar, 

que queira filhos.

Eu já tenho quatro, fechei a fábrica, estou mais

para ser avô.

Casei e separei duas vezes, sou como um burro cansado,

que só quer sossego.

Adoro a sua companhia, o sexo é ótimo,

mas eu sei muito bem como isso termina.

Prefiro assim como está.

Bola nas costas, nunca mais.











 

sexta-feira, 4 de outubro de 2024


                           ser só





De tanto desgosto,

ando só

e faço gosto.

Um  dia ainda hei

de esquecer o teu rosto.


Ser só me faz melhor.

Sem falar que, em sendo só,

posso fazer o que bem quiser.

Inclusive nada.


Ser só é tudo de bom.

Você não machuca ninguém,

ninguém te machuca.

Só de não ter que ficar com alguém

por imposição,

vale qualquer sacrifício.


Ser só é uma grande conquista.

Precisa estar apto, fazer por merecer.

Só não confunda ser só com solidão.

Uma é opcional, a outra uma consumição. 


Sou só desde o dia em que nasci.

Mesmo cercado de gente, vivi num mundo à parte.

Só fui me achar quando todos se foram.

Só me dei conta do quão fui feliz 

quando fiquei só.
















 

quinta-feira, 3 de outubro de 2024


                                    razões de viver





As razões de viver, busquei-as

no oco do coração

nas linhas da mão 

nos confins da imaginação

na divina provação

nas peregrinações diárias

nos consórcios das agonias

no fosso das litanias

nos olhares famintos

no aceno dos gritos

no romper dos pactos

na invenção dos amores

nas garras do hipogrifo

nas doutrinas do prazer

na menstruação dos astros

na santidade dos antros

nas entradas e saídas

na cantilena das amarguras

nas guerrilhas domésticas

na genealogia dos súcubos.



terça-feira, 1 de outubro de 2024


                        palavras ao léu





Busco nas palavras o que ser.

Trago nas mãos o amoroso desvario de aprazíveis

oferendas.

Caminho entre canteiros de flores e ásperos aromas.

Onde quer que eu vá, persegue-me uma paz que não sinto.

O coração não mente, mas se engana.

Enamorar-se de viver é meu lema, em disputas

patéticas com o tempo.

Não se iluda, a maturidade tudo subtrai.

Você mente tão gostosamente que até acredito.

Principalmente quando diz "amo sua pica".

Palavras não contam no enleio amoroso.

Meus calhamaços de sabedoria não se comparam

a teu repertório de artimanhas.

A velhice e a doença desconhecem a vergonha, quando

desprovidos de dignidade.

Tudo o que de melhor temos, não vemos.

Os degraus de ontem remontam a sonhos desfeitos, safadezas

gozos estéreis.

A cobiça é o maior dos males, mas há atenuantes.

Mágoas sem propósito vão-se pelo ralo da autoestima.

A vida cabotina tece desmemórias, para que a alma

mais obscura

possa brilhar na escuridão.





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