quinta-feira, 24 de outubro de 2024


                   gente ordinária




 


Ninguém é culpado de ser o que é.

Você não tem culpa de ser o que é.

Eu não tenho culpa de ser o que sou.

Somos o que somos.

Desgraçados, filhos da puta,  o que for.


Rostos são máscaras.

Palavras são disfarces.

Nossas ações são urdiduras de mentes doentias.

A normalidade é apenas pensada mas não real.

O que existe transcende a diáfana realidade.

O ignorado vive em nós, morrendo.

Pensar e sentir acalenta a suave fuga dos ergástulos.


A vida é um jugo que caminha a passos lentos

e confusos.

Tendo o irrefletido como fiel escudeiro.

Não há como evitar os enganos e desencantos.

Cada um tem o amor que merece.

Gente ordinária não sofre, finge.

A desdita alheia não nos diz respeito.

Histórias infames banalizam o sofrimento.

Viver sem gozo nem dor 

é o pior dos castigos.


 




sábado, 19 de outubro de 2024



                      minha história





Sendo assim,

autêntico e banal,

a transmutação se processa

sem saudades nem pressa. 

Antes tarde do que cedo, conheci o filho inédito,

o livro pródigo.

Os anos não me trouxeram

nada

além de acertos crivados de erros.

Quem julga o que não vê

se recusa a ver com os próprios olhos.

A vida ensina a fazer do ordinário

algo extraordinário, 

mas poucos conseguem.

Cultivo meu jardim sem flores 

permitindo-me 

resgatar a solidão que edifica.

Preencho-me de vazios para escrever 

minha história.







                   o ressignificado das coisas





 

Tudo na vida carece de ser revisto, revisado.

Conceitos, opiniões, estão sempre sujeitos a mudanças,

novos enfoques.

É preciso atinar com o ressignificado das coisas.

O que há por trás das aparências, do jogo de interesses.

Entender o seu papel requer estar atento a linguagem

cifrada do gestos e símbolos.

Saber distinguir a realidade da imaginação.

A representação do mundo abastece-se de inteligência

cega e de opressivas verdades.

O ressignificado das coisas desmonta a armadilha dos 

enganos, ilumina a decadência das virtudes.

As máscaras que caem escancaram o despropósito dos pactos

sem sentido.

Certezas metafísicas, palavras e promessas vazias,

no fundo meras masturbações mentais de relações

superficiais. 

Ninguém jamais se cura dos próprios males

sem a ascese dos disfarces.

Ser como se fôssemos deixa-nos à deriva de perguntas

(im)pertinentes.

Para que eu sirvo, afinal ? - é uma delas.




 










quarta-feira, 16 de outubro de 2024


                             barganhas


Tudo está sujeito a barganhas.

Concessões, afetos.

Tudo é negociável, tudo tem seu preço.

Até o cu.



domingo, 13 de outubro de 2024


                      o elogio da mentira





O capiroto poderia argumentar : se é tão difícil 

encarar a verdade, 

o que há de errado

em mentir, enganar, esconder ?

Se a verdade nua e crua inviabiliza qualquer relação ?

Se somos os primeiros a nos enganar ?

Ao acreditarmos.

Ao nos iludirmos.

Ao nos acharmos melhores que os outros.

Tudo mentira deslavada que nos auto-impingimos. 

Ninguém sabe o que se passa em nossa mente.

Ainda bem.


A vida é um grande desfile de máscaras.

Qual a verdadeira, nunca se sabe.

Acreditamos no que nos convém.

Pode não ser o mais sábio, mas é o mais prático.

Somos mais felizes convivendo com a mentira 

do que com a verdade.

Essa é a verdade.

Ou a maior das mentiras.

Nunca se sabe.




quinta-feira, 10 de outubro de 2024

                    

                           burro cansado




Não me leve a mal, não se chateie. 

Gosto muito de você, mas gosto ainda

mais da minha liberdade. 

Entenda, ganhei o direito de morar sozinho.

Não gosto que mexam nas minhas coisas.

Tenho mania de limpeza, ronco, 

durmo e acordo cedo,

gosto de ouvir música alta, jazz,

blues, os clássicos que você abomina.


Não, Margarete, morar junto não ia dar certo.

Você é gente boa, merece alguém melhor,

que goste de funk, de acampar, 

que queira filhos.

Eu já tenho quatro, fechei a fábrica, estou mais

para ser avô.

Casei e separei duas vezes, sou como um burro cansado,

que só quer sossego.

Adoro a sua companhia, o sexo é ótimo,

mas eu sei muito bem como isso termina.

Prefiro assim como está.

Bola nas costas, nunca mais.











 

sexta-feira, 4 de outubro de 2024


                           ser só





De tanto desgosto,

ando só

e faço gosto.

Um  dia ainda hei

de esquecer o teu rosto.


Ser só me faz melhor.

Sem falar que, em sendo só,

posso fazer o que bem quiser.

Inclusive nada.


Ser só é tudo de bom.

Você não machuca ninguém,

ninguém te machuca.

Só de não ter que ficar com alguém

por imposição,

vale qualquer sacrifício.


Ser só é uma grande conquista.

Precisa estar apto, fazer por merecer.

Só não confunda ser só com solidão.

Uma é opcional, a outra uma consumição. 


Sou só desde o dia em que nasci.

Mesmo cercado de gente, vivi num mundo à parte.

Só fui me achar quando todos se foram.

Só me dei conta do quão fui feliz 

quando fiquei só.
















 

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