sexta-feira, 15 de novembro de 2024


                            dias sem futuro



A maciez das pedras enfraquece

os caminhos.

Forja vítimas, corações partidos.

Sem luto, sem vergonha, a vida não é vida.

São sempre as mesmas histórias

que consolam os aflitos.

O esquecimento liberta os dias sem futuro.

Através de nós outros virão, eis o padrão.

Meus filhos são tão diferentes de mim

que nem parecem meus filhos.

Sorte deles !

Sou minha própria vergonha.

Não pelo que fiz, mas pelo que deixei de fazer.

A maciez das pedras é meu adorável presente.




segunda-feira, 11 de novembro de 2024



                           de mal à pior



Dissoluto, o mundo reinventa o seu inferno

entre pressurosos prenúncios.

As coisas presumidas fogem ao controle.

A conivência é pior que a leniência. 

Vamos aos fatos : tudo vai de mal à pior.

O gato que não regressa

nos preocupa mais

que o derretimento das geleiras.


A vida se revela e se mascara evocando

a paz de seu tormento. 

É sempre do imprevisível que os roteiros

distorcidos emanam.

Entrelaçados mundos recriam o indizível.

O drama da convivência urde o seu repertório

de máscaras para seguir além dos enganos.

O incerto e o novo nos atraem 

para que a vida seja como deveria ser.


Nada se compara a felicidade que se perdeu.

O que (não) existiu é sempre melhor.

Tudo fica aquém das expectativas,

diante dos sonhos de criança.




domingo, 10 de novembro de 2024


                            invólucro


Você pensa que me conhece

mas não sabe nada de mim. 

Nada além da casca, das aparências,

dos rompantes, das palavras gastas.

Em suma, nada além do invólucro. 

Você pensa que me conhece

mas não sabe nada de mim.

Nada que valha a pena.

Você está certa.






Nós já fomos esquecidos

antes mesmo de nascidos.


              Esse novo homem que me tornei

              não me é estranho.

              Faz as mesmas coisas que eu fazia.


Amor à primeira vista

dispensa retórica.


             A solidão me apraz.

             O anonimato me compraz.

             Nada é mais importante 

             do que minha paz.



 


                                     epifanias



Certos pensamentos

como que flutuam,

revirados pelo vento.


Vagam sem dono,

surgem e desaparecem,

sem pressa, sofregamente.


Certos pensamentos

afligem e reverberam.

Pouco confiáveis, de tão amáveis


Tudo que é belo e sujo

os pensamentos esmagam e processam.

À sombra das epifanias.




                   ilusão de ótica



Cada dia tem sua própria história.

O coração bate alheio a qualquer discórdia.

Algum sentido oculto há em cada trajetória.

Um deus com quem comungar a derrota e a vitória.

Algum luto antigo para manter viva a memória.


Nenhuma dor se compara.

Nenhum amor se equipara.

Nada nem ninguém se iguala.

O palco das circunstâncias engendra

simulacros e apoteoses.

Tudo o que existe existe

inexistindo.

A realidade de cada um 

é uma ilusão de ótica.



sexta-feira, 8 de novembro de 2024

                                           


                     carta aberta à meu filho






Não me odeie, meu filho, se para você 

não passo de um chato, ranzinza, antiquado, 

um pé no saco.

É o meu jeito de ser e estou velho para mudar.

Acredite, dou o meu melhor, faço o possível

para dar conta da árdua tarefa de pai.

Não pense que gosto de ficar te chamando a atenção,

te cobrando responsabilidade e bons modos.

E, principalmente, o velho e bom respeito,

que nós, das antigas, aprendíamos a mostrar na marra.

Sei muito bem que os tempos são outros, que as coisas

mudaram radicalmente 

e a própria instituição da família já não é a mesma.

Mas não abro mão de meu papel de pai, e goste você

ou não, vou continuar cobrando, falando, aconselhando,

só não posso te obrigar a obedecer.

Espero que você não descubra tarde demais

que faço tudo isso pelo teu bem.

Logo, logo você estará fazendo 18 anos e estará livre

para fazer o que bem entender de sua vida, 

sem o velho pai para encher o saco.

Do jeito que as coisas estão hoje em dia,

já me darei por satisfeito

com o simples fato de você não me odiar.









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