domingo, 2 de março de 2025



Sejamos sinceros : há momentos na vida de um homem 

em que só mesmo recorrendo aos serviços de uma puta. 

Que nada espera, nada exige, além de seu pró-labore.





sábado, 1 de março de 2025


                           de grão em grão





O novo tempo se sobrepõe ao abismo de si mesmo.

O homem transcendental consome seu próprio tumor maligno 

em lascivas elocubrações.

O dolce staccato de não ver recompõe-se em escrutínios secretos.

A desordem do lugar de tudo chega aonde não há mais recomeço.

As promessas elevam-se num clamor maior que a esperança.

À reboque das imposturas, o amor cai em desuso.

A cor mortiça das prebendas pende entre a graça 

e a desgraça.

Luz e treva coabitam acordos fraticidas.

O engodo é o pão nosso de cada dia.

Como se dizia antigamente, de grão em grão 

a galinha enche o papo.

Os desejos se exaurem em lentas passagens.

O martírio da vida percorre o sentido das horas,

sob pálpebras de chumbo.

Sem retorno, a felicidade incria sebes novas.

A banalidade da existência deixa-se existir

à beira do colapso.

Fiel a seus próprios malfadados desígnios. 



 


                      

                estatuto da humanidade
               ( Tributo à Thiago de Mello )





Que possamos ser :


humildes sem sermos submissos
sensatos sem sermos chatos
confiantes sem sermos arrogantes
alegres sem sermos inconsequentes
sinceros sem sermos hipócritas
crédulos sem sermos ingênuos
honestos sem sermos otários
generosos sem sermos perdulários
posto que tudo que é devido
deve ser cobrado e pago
para que assim possamos viver 
sem disfarces e subterfúgios. 



quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

                         as coisas não ditas




As coisas não ditas são as que permanecem.

Ficam, assim, hibernando, maturando,

soterradas,

até que um dia afloram.

Ou não.

Morrem levando consigo seus segredos,

as coisas não ditas.


Refúgio ou hospedeira, a verdade imagética 

abriga o desconhecido.

Reinventa colheitas, paisagens.

A fim de tornar mais palatável 

as coisas humanas mais ordinárias.



domingo, 23 de fevereiro de 2025


                             à margem de mim




Passei a vida à margem de mim mesmo.

Desperdicei meus parcos talentos por falta de discernimento

e inteligência emocional.

Falhei como filho, marido, pai.

Cometi todos os pecados possíveis, só na matei, que eu saiba.

Meu legado se resume ao básico, não fiz nem deixo nada 

para a posteridade. 

Pouco ou quase nada me resta dizer.

Apenas que nada lamento - e nem poderia - nem me julgo

melhor ou pior que ninguém. 

Sou o que sou. 

Fui o que fui.

"Sei a verdade e sou feliz", como diz Fernando Pessoa

através de seu mestre, Caeiro.






 








                             ranhuras





Tudo se faz de lutas e esperas.

O clamor das mágoas irrompe com furor malsão.

O que fica subentendido se modifica na goela dos aleijões.

As conexões da alma dão luz as coisas ausentes, o que não falta 

é munição para o assalto avant-garde.

Truques, armas, blefes : arsenal do mais fino trato

remonta à sílex afiado.


Hoje e sempre, rompe-se o lacre das carências múltiplas.

O gosto pelo chiste encarna o discurso de ódio,

enquanto o poema se deixa consumir por resmungos.

O texto sem ranhuras viola o espírito das letras, 

subvertendo o canto do sabiá,

o pulo do gato,

ao que isso nos levará ?


Lampejos de remansos revolvem a fundura dos poços.

Permeiam a luz do fim do túnel, reprimem, regridem,

distorcem, 

eludem cavalos de Tróia, mixórdias em banho maria,

ah, quem dera achar o perdido,

sem pecha, sem história.

Ó, pai, ó glória !

Louvado seja Esdras, a cada vitória. 


sábado, 22 de fevereiro de 2025


                    monstro de onze cabeças



Habita entre nós um ente antigo e monstruoso,

que vive de devorar as próprias entranhas

com a fome insaciável dos chacais.


Onipresente, infunde medo e asco ante o seu reinado

de obscuro despotismo, 

camuflado por poderes corrompidos e arbitrários.


À maneira dos tiranos, arvora-se de legislador, juiz

e carrasco, perseguindo e punindo a seu bel prazer, 

sem que nada nem ninguém lhe faça frente.


Monstro de onze cabeças que, a exemplo da Hidra de Lerna,

clama por um Hércules capaz de decepá-las todas

de um só golpe.


* Inspirado no poema Uma Criatura, de Machado de Assis.




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