domingo, 4 de maio de 2025


                  amor sem disfarce





A gente já devia saber,

mas estamos sempre pagando para ver. 

A busca pela felicidade é infinita e sem esperança.


Ah, quantas vezes os desejos

que a alma precisa e a vida nega,

passam como o voo de um pássaro.

Ligeiro, incerto, abscôndito.

Te amar me alegra e me entristece.

Por não ter nada além de tão pouco.

Desolado por nunca ter tido um amor

sem disfarce.


Gosto do teu jeito arrevesado.

Do teu ar melancólico e reticente.

Que me faz querer protegê-la,

abraçar como se abraça uma criança.

Gosto do teu jeito de falar, de andar, de sorrir.

Gosto de te ver quanto te vestes,

e mais ainda quando te despes.

Que é quando te tenho

como se fosse só minha.


 


sexta-feira, 2 de maio de 2025


                     o esplendor dos dias felizes





A imaginação nos engana, nos trai.

Mas o que seria da vida 

se não pudéssemos imaginar, sonhar ?

Olhar para dentro de si 

e ver outro mundo, além da realidade.

Feito de devaneios e encantamentos, à beira da loucura.

Orbitando entre a graça e a beleza, 

cortejando o certo e o incerto.

Que se arrisca num embate com a razão.

Para que o que habita o coração,

não se perca em vão.


Ah, a imaginação e seus insondáveis arbítrios.

A cada fase da vida reverbera.

Arde em desejos proibidos.

Submerge e ressurge entre ir ou ficar.

Entre amar e desamar.

No núcleo do ser, entre a euforia e a fadiga,

mistura-se ao mundo numa entrega de sonhos.

Regendo incontáveis sinfonias.

O esplendor dos dias felizes.




quinta-feira, 1 de maio de 2025


                         os sinais advertem



A hora da verdade sempre chega.

Os sinais advertem. 

O amor engana.

Com o tempo, ou vira amizade,

e tudo sobrepuja,

ou vira a coisa mais suja.


Risonho, amargo, triste, 

refaz a trajetória

no vai e vem dos semblantes.

Usurpando o germe da beleza. 

Com o rabo entre as pernas.


Sinais de cansaço com o tempo

afloram aqui e ali.

Ninguém está livre nem imune.

Quando se faz concessões demais,

achando que vão reconhecer,

fique certo, 

nenhuma boa ação

fica impune.





                             metamorfoses





Nada mais difícil do que ver o mundo

pelos olhos dos outros. 

Medir, sentir, sopesar sob o mesmo prisma.

Arguir silêncios e astúcias.

Absorver toda forma de vida como se fosse única,

una, unívoca. 

Entender as razões alheias, por mais absurdas 

e estapafúrdias.

A fim de elaborar um entendimento exato e seco.


Ver o mundo pelos olhos dos outros.

Para entender seus motivos.

Para ser múltiplo e indivisível.  

Abrangente no presente inconcluso.

Complacente no passado impreciso.

Sobranceiro como um corpo de baile.


De dentro, por dentro, as palavras sem ventre

inventam o lusco-fusco da noite,

as bordas dos penhascos,

os cascos surdos

de todas as coisas que habitam a véspera.

Que doce alento o inexistente abriga ?


A transparência dos dias segrega os recessos da vida.

Inoculada de secretas possessões.

O aparato sem sofisticação de acontecimentos inadiáveis

engendra a gênese das palavras.

Tudo se perde e se desfaz na roda-viva da convivência.

Metamorfoses são sempre bem-vindas.

Para que possamos ver o mundo pelos olhos dos outros.



quarta-feira, 30 de abril de 2025



                    nódoa


Uma cantiga antiga perpassa o tempo.

Chega como um pássaro

que constrói seu ninho

com meticulosa precisão.


Chega com a linguagem do vento,

limpando-se do limo dos crepúsculos esquecidos.

Tão paciente como um navio solitário,

transpondo horizontes e nuvens

como se tivesse a vida presa na garganta.


Uma cantiga antiga, há muito esquecida,

vem de algum lugar carente de gestos e roteiros,

ferindo e conferindo

a própria beleza esmaecida. 

Ainda assim evocando as coisas mais ternas,

face a face

com seu disfarce de fera.


Agora que a eterna inquietação do amor

encontra o seu canto,

tudo me leva a ti.

Nos acordes dessa cantiga amiga, suja de terra,

cinza e saudade, o que passou já não conta.

A antiga mágoa hoje não passa de um simples nódoa.




terça-feira, 29 de abril de 2025


                  dois pesos e duas medidas



Mais do que os outros,

somos nós próprios que nos engamos. 

Acreditando no improvável.

No impossível.

Abusando do vitimismo.

Com traços de narcisismo.

Para tudo temos desculpas.

Os sacanas são sempre os outros.

Esquecidos de que para os outros, nós somos

os outros.


E ai de quem discordar.

Sempre com dois pesos e duas medidas.

Sem se dar conta do ridículo

de querer ser a palmatória do mundo.

Em que tudo de ruim é culpa dos outros.

Esquecidos de que para os outros,

nós somos os outros.

 



*musicado em 28/04/2025

                          num piscar de olhos




Desconfio das pessoas bem resolvidas.

Que se dizem em paz com a consciência.

Capazes de lidar com qualquer situação.

Porque ninguém é safo assim.

Podem até pensar que sim, mas a verdade

é que todos temos pontos fracos.

Coisas a esconder.

É tudo uma questão de tempo para o jogo mudar,

a vida virar de cabeça para baixo.

Num piscar de olhos, tudo vai água abaixo.

A paz, a soberba, a arrogância, vai tudo 

para o caralho.

É só a vida querer.

É só a vida cismar.

Para o jogo virar.

Num belo dia, você vai olha no espelho

e não se reconhece.

E sem máscara, sem disfarce, vai desabar.

Aproveite, portanto, enquanto pode.

E torça para que esse dia demore a chegar.

Porque vai chegar.

Num piscar de olhos...


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