a dívida
Lembro da minha avó na varada, sentada na cadeira
de balanço, tricotando e tagarelando sem parar
no alemão de colonia, que foi meu primeiro idioma.
Lembro da primeira vez que vi o mar, em Matinhos,
litoral do Paraná, e do susto que levei ao confundir
golfinhos com tubarões.
Vida sem ternura e loucuras não é vida.
Amanhece limpo o dia lavado pela chuva.
Como deve ter sido quando Ulisses voltou para sua
Penélope intocada.
Santa Penélope ! Padroeira (madroeira ?) das mulheres fiéis.
Perorações gentis intercedem por nós.
Não é preciso ser Hércules para carregar o peso do mundo.
Espiga de milho ou girassol ? O sol que resolva.
A faca como parábola de vida, como nos tempos das ciladas frias
e cálidas.
Fogueiras lúdicas, vulvas fulvas em especulações fálicas.
Onde a verdade de cada um morre.
Remorsos letais roem os restos de minhas tímidas alegrias.
Na desagregação dos sentimentos, a nausea da podridão
do mundo.
Uma ponte, uma rosa, cristais intocados, laranjais quiméricos :
aqui jaz a fábula perfeita. O cansaço acende os archotes
dos vieses inexplorados.
Um lamento sombrio apaga a noite.
Feridas que se curam com o pranto rompem os mistérios.
A noite perpétua, a alma balsâmica, o coração ferido e fatigado.
No fundo, não há nada pelo qual valha a pena chorar.
Buscando a dureza do meu destino, já nada tenho à esperar.
À sombra de meus desígnios, busco tão somente quitar
minha dívida.
Por ter sido mais feliz do que mereço.