Nada existe nada
fora do mercado de consumo.
Ou somos
consumidores ou insumos.
Nada é por acaso.
Nem o acaso.
Cada caso é um caso.
Se tudo der certo
eu nunca mais caso.
O homenzarrão desfila
com seu minúsculo cachorro.
A moça magricela se deixa arrastar
pelo cão tamanho de um cavalo.
O ser humano às vezes é patético.
Quando nasci, Deus disse :
este vai precisar
de um anjo da guarda daqueles !
Entre o dente e o palito
estabeleceu-se um conflito.
Nada bonito.
as razões do tarado
Sua presença, diria, avassaladora,
despertou em mim, a um só tempo,
os melhores e os piores instintos.
Quando entrou no elevador,
recém saída do banho - via-se pelos cabelos
cacheados ainda molhados,
o bico dos seios quase furando a blusinha tipo
tomara-que-caia,
bermuda e sandália daquelas de usar em casa,
o cheiro de sabonete de endoidecer,
e em que pese meu visível alvoroço,
meu coração disparar,
e ela
sequer me olhar,
reparar na minha presença,
mesmo sendo só eu e ela no maldito cubículo,
no qual não tirou os olhos do celular,
foi aí
que entendi
as razões do tarado.
largado às traças
O que a vida se torna depois de rarefeita,
inexoravelmente desfeita, quiça refeita,
quem sabe infecta,
oscilando entre o desesperador
e o banal,
só pagando para ver.
O tormento é certo,
se temporário ou permanente,
cabe a cada um escolher.
Não me arvoro nem tenho estofo
para dar conselho.
Quando muito, sugiro dar graças
por livrar-se das trapaças,
por a fé não ter se tornado fraca,
ainda que largado às traças ( e à insones baratas ),
"esses humildes comparsas das ruínas e desgraças"
(como diria L.A.Cassas).
nunca é tarde para sofrer
Qualquer situação requer uma solução.
Elucubração mental.
Ora, tudo começa pelo kick-off, fazer o primeiro
movimento.
Nada mais desgastante que a hesitação.
Como dizem os gurus da autoajuda, sem correr riscos
nada se consegue.
Fatalidade é ser absolutamente honesto.
Dentes trincados, deuses intrincados, estão por toda parte.
Almas de silicone, sexo precificado, grana fácil.
O sono dos injustos sonha acordado.
Quem nunca deu um "escapulida" que atire
a primeira pedra.
Anjos exaustos nos deixam à revelia.
A precária existência é de espelhos e labirintos borgeanos.
Mas sobrevivemos, em meio a inquietude sofreada.
Hoje, o riso, o folguedo.
Amanhã, o câncer.
Não há tempo à perder.
Nunca é tarde para sofrer.
a coisificação das coisas
Tudo se insere na coisificação das coisas.
Nada mais vivo que a morte, que ninguém pode matar.
Feitos um para o outro, até que a vida os separe.
As palavras estão gastas.
Os esforços, tardos.
Urge que se reforme o mundo.
Começando pelas leis divinas
Que rebaixa os humildes
E exalta os poderosos.
a lógica da sarjeta
Vivemos sob a lógica da sarjeta.
Sob a égide do mundo digital.
De valores vagando ao léu.
Algozes e vítimas de desejos deletérios.
Como ratos que devoram as própria entranhas.
A sensação simultânea de céu e abismo
nos consome.
Máscaras anêmicas escondem os medos
que entretecem a insípida vida.
Miragens consentidas enxugam o suor dos muros.
A retórica dos ventos nos leva além da dor.
Além do entendimento que se quis reter.
Enquanto os dias algemados à memória
esculpem párias e pústulas.
nada está bem
Todos os caminhos levam à Brasília.
Nossa Versalhes sem Bastilha,
em que os criminosos é que estão no poder.
Devidamente entrincheirados.
Devidamente escudadas por salvaguardas espúrias
engendradas em causa própria.
Todos os caminhos levam à Brasília, mas nosso povo
é por demais pacato.
Limita-se a protestar, empunhando bandeiras e entoando
slogans que ecoam em vão.
Enquanto boa parte nem isso faz,
cooptada pelo regime que devastou e sugou
o país por quase 15 anos.
Todos impotentes diante da orgia da numerosa corte
de comensais e magistrados
que gozam de regalias e mordomias que pairam
como um escárnio à Nação estuprada.
Massa (de manobra?) que ainda assim desfila ordeira
e pacífica neste emblemático 7 de setembro de 2021,
atendendo aos apelos de um presidente refém, não só
da conjuntura maligna que herdou,
como - e principalmente - dos próprios erros
E tudo bem, nada acontece.
Mas não,
nada está bem
num país
que engole tudo passivamente.
Sem lideranças que se respeite,
sem um povo que se imponha.
carnificina
A carne de janeiro tem o sabor suicida
das coisas a serem vividas,
porém já perdidas.
A carne de fevereiro tem o sabor da volúpia
dos recomeços de quem vive
brincando com a sorte. E com a morte.
A carne de março tem o sabor do sexo
das meninas violentadas e precocemente
emancipadas.
A carne de abril tem o sabor da mesmice
de dias devorados
por máquinas autônomas e customizadas.
A carne de maio tem o sabor das tardes
luminosas que se precipitam no abismo
de cidades conflagradas e fétidas.
A carne de junho tem o sabor
do tempo sem tempo em que nada sucede
além do engano.
A carne de julho tem o sabor de sóis trenspassados
de áspera luz e primaveris cinzas
das florestas dizimadas pelo homem.
A carne de agosto tem o sabor venenoso
do ouro que impregna os rios de chumbo.
A carne de setembro tem o sabor das lembranças
que não oferecem nada, além de domingos cruéis
e grandes viagens em estradas vazias.
A carne de outubro tem o sabor ardido das decepções
e dos fracassos, de um tempo que se apagou
mas que continua doendo.
A carne de novembro tem o sabor da vida que não
muda. De um mundo que não quer mudar.
Murchando, apodrecendo como legumes
que ficam sem vender.
A carne de dezembro tem o sabor do mel
que é fel. Do afeto que trai.
Do abraço que aprisiona.
Do amor que era pouco e se acabou.
prisioneiro
Precisava reaprender o que nunca aprendi.
Quisera ter nascido adulto com olhos de criança.
Caminhar entre solidões com o sol no coração.
Escrever versos feitos de sal e angras de ternura.
Revelar-me em cada canto de pássaro prisioneiro.
Ter asas e barbatanas para saciar a sede de liberdade.
Ser a semente que mata a fome de amor e beleza.
Precisava saber o que fazer com o enorme vazio de esperar.
Queria (re)encontrar alguém que fizesse
não me sentir tão só...
na parede da memória
O mundo dá voltas e eu,
folgo em dizer,
já não sinto desejo, nem revolta.
Da vida, tenho sido um
aprendiz relapso.
Mas, enfim, apto
a seguir em frente,
virar a página.
E com a alma nua
como a lua,
do antigo amor desamar.
Sem remorso, sem moratória.
Sem nada deixar ou levar.
Quando muito, um simples retrato
na parede da memória.
Duvida da luz do sol Duvida da verdade. De Deus e de todo mundo. E, principalmente, do amor.