domingo, 24 de novembro de 2024


                         potestades



Funde-se à vida

esse sofrimento à beira fidedigna da louca razão.

Com aquilo que não pode mudar.

Rebaixe-se, rasgue-se, mas não ignore 

a audaz serventia do fracasso.

O palco está escuro, mas o picadeiro ferve.

Pão e circo se locupletam. 

Mas é on line que as coisas acontecem.

Tatuagens e tetas caídas envergonham o corpo 

de forma diferente.

O mugido das multidões supre os dilemas, para que

o sol patriótico brilhe acima das criptas basálticas.

Ninguém morre na véspera, há que ter esperança.

Tudo é vasto, menos a afeição sem nódoa.

Porcos só amam os chiqueiros.

Os sermões dominicais enchem linguiça, mostre-me

a quem segues e te direi quem és.

Afinal, é preciso ser cego para ser feliz.

Bocas lascivas enxertam potestades de antanho.

A miséria confortável alude a Hosanas empedernidos.

Tempos difíceis parem ruínas vindouras.

Incógnito, atravesso o meu hemisfério condenado

a existir.




Na padaria, 

o pão nosso de cada dia alimenta a freguesia, 

também serve pinga, frango assado aos sábados, 

além de ponto de encontro de desocupados e aposentados, 

que discutem futebol e política, eventualmente 

assuntos mais sérios, o obituário sempre em dia. 

Na padaria, o pão nosso de cada dia 

alimenta a vida vazia.





domingo, 17 de novembro de 2024


                          almas inquietas                           


Almas inquietas não se doam.

Vivem em sobressalto, se esquivando da realidade.

Tornam tudo um drama chinfrim.

Enlouquecem entre caprichos e gozos ingênuos.

Punindo e sendo punidas.

A incapacidade amar é sua cruz.

Almas inquietas descobrem-se solitárias

e mal-amadas.

Tendo como única razão de ser

a natureza corrosiva de seu afeto.







REFLEXÃO DO DIA 


Chega uma hora em que ou você se impõe, 

toma uma atitude,

ou não pode reclamar de ser 

um mero capacho.



sexta-feira, 15 de novembro de 2024


                            dias sem futuro



A maciez das pedras enfraquece

os caminhos.

Forja vítimas, corações partidos.

Sem luto, sem vergonha, a vida não é vida.

São sempre as mesmas histórias

que consolam os aflitos.

O esquecimento liberta os dias sem futuro.

Através de nós outros virão, eis o padrão.

Meus filhos são tão diferentes de mim

que nem parecem meus filhos.

Sorte deles !

Sou minha própria vergonha.

Não pelo que fiz, mas pelo que deixei de fazer.

A maciez das pedras é meu adorável presente.




segunda-feira, 11 de novembro de 2024



                           de mal à pior



Dissoluto, o mundo reinventa o seu inferno

entre pressurosos prenúncios.

As coisas presumidas fogem ao controle.

A conivência é pior que a leniência. 

Vamos aos fatos : tudo vai de mal à pior.

O gato que não regressa

nos preocupa mais

que o derretimento das geleiras.


A vida se revela e se mascara evocando

a paz de seu tormento. 

É sempre do imprevisível que os roteiros

distorcidos emanam.

Entrelaçados mundos recriam o indizível.

O drama da convivência urde o seu repertório

de máscaras para seguir além dos enganos.

O incerto e o novo nos atraem 

para que a vida seja como deveria ser.


Nada se compara a felicidade que se perdeu.

O que (não) existiu é sempre melhor.

Tudo fica aquém das expectativas,

diante dos sonhos de criança.




domingo, 10 de novembro de 2024


                            invólucro


Você pensa que me conhece

mas não sabe nada de mim. 

Nada além da casca, das aparências,

dos rompantes, das palavras gastas.

Em suma, nada além do invólucro. 

Você pensa que me conhece

mas não sabe nada de mim.

Nada que valha a pena.

Você está certa.






Nós já fomos esquecidos

antes mesmo de nascidos.


              Esse novo homem que me tornei

              não me é estranho.

              Faz as mesmas coisas que eu fazia.


Amor à primeira vista

dispensa retórica.


             A solidão me apraz.

             O anonimato me compraz.

             Nada é mais importante 

             do que minha paz.



 


                                     epifanias



Certos pensamentos

como que flutuam,

revirados pelo vento.


Vagam sem dono,

surgem e desaparecem,

sem pressa, sofregamente.


Certos pensamentos

afligem e reverberam.

Pouco confiáveis, de tão amáveis


Tudo que é belo e sujo

os pensamentos esmagam e processam.

À sombra das epifanias.




                   ilusão de ótica



Cada dia tem sua própria história.

O coração bate alheio a qualquer discórdia.

Algum sentido oculto há em cada trajetória.

Um deus com quem comungar a derrota e a vitória.

Algum luto antigo para manter viva a memória.


Nenhuma dor se compara.

Nenhum amor se equipara.

Nada nem ninguém se iguala.

O palco das circunstâncias engendra

simulacros e apoteoses.

Tudo o que existe existe

inexistindo.

A realidade de cada um 

é uma ilusão de ótica.



sexta-feira, 8 de novembro de 2024

                                           


                     carta aberta à meu filho






Não me odeie, meu filho, se para você 

não passo de um chato, ranzinza, antiquado, 

um pé no saco.

É o meu jeito de ser e estou velho para mudar.

Acredite, dou o meu melhor, faço o possível

para dar conta da árdua tarefa de pai.

Não pense que gosto de ficar te chamando a atenção,

te cobrando responsabilidade e bons modos.

E, principalmente, o velho e bom respeito,

que nós, das antigas, aprendíamos a mostrar na marra.

Sei muito bem que os tempos são outros, que as coisas

mudaram radicalmente 

e a própria instituição da família já não é a mesma.

Mas não abro mão de meu papel de pai, e goste você

ou não, vou continuar cobrando, falando, aconselhando,

só não posso te obrigar a obedecer.

Espero que você não descubra tarde demais

que faço tudo isso pelo teu bem.

Logo, logo você estará fazendo 18 anos e estará livre

para fazer o que bem entender de sua vida, 

sem o velho pai para encher o saco.

Do jeito que as coisas estão hoje em dia,

já me darei por satisfeito

com o simples fato de você não me odiar.










                      chororô



Só quem viu a cara hedionda da morte.

Só quem se viu sozinho, abandonado, largado,

sem ter para onde ir, com quem contar.

Só quem se viu pregado num leito de hospital,

à mercê de estranhos, sendo furado, cortado,

sem forças para nada.

Só quem perdeu os pais prematuramente, um filho,

a família.

Só quem se viu sem dinheiro, endividado, sem recursos 

para viver com um mínimo de dignidade.

Só quem perdeu a fé, a esperança, 

a vontade de viver. Só quem passou e sofreu

por semelhantes provações,

é capaz de entender o verdadeiro 

sentido da vida.

Tudo mais é perfumaria. 

Chororô de criança mimada.






quinta-feira, 7 de novembro de 2024



              sêmen sujo





Quando a vida desossada encarna

o entusiasmo das torturas,

assombros infernais abraçam o silêncio 

investido de retóricas complacentes.

O sono cansado espera o azado perquirir 

de quem erra. 

Nada é pouco para o finito.

A força que nos impele envelhece cercada de zelos.

Água sem fonte escorre das paisagens defasadas.

Bocas sem haustos louvam o esplendor do desconhecido.

De ramo em ramo as flores se alteiam, possuídas.

Afogados na lama, gerações de boçais 

glorificam o sêmen sujo.

Uma vez expostas as qualidades estéreis,

a verdade engasga com a falsa fala

e o peixe pesca o pescador.


Nada permanece.

Não há vitória nem derrota.

Não há guerra nem paz.

Não há conquistas nem fracassos.

Não há dor nem prazer.

Nada que dure para sempre.

A razão que enlouquece atesta o jugo emocional.

O que nos impede de ganhar dinheiro

é o que nos impede de ser avaro. 

O focinho da besta deixa-se acariciar

brutalmente,

vorazmente,

posto que aceito

o pacto

o arguir aristotélico

penetrando a grave célula

em que tudo afunda

enquanto se aprofunda 

a perpétua face dos infortúnios.

























 



   

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