sexta-feira, 26 de abril de 2019


                                   ENGODO






Quando se gosta, quando se ama,
a gente releva tudo. 
Os defeitos, as mentiras. 
Para tudo há desculpas, atenuantes.

Depois que o amor acaba,
até as verdades soam como mentiras.
A sinceridade ofende.
As qualidades, desaparecem. 
E a realidade nua e crua nos inunda,
nos devolve à vida imunda,
da qual o engodo do amor 
havia nos resgatado.


quinta-feira, 25 de abril de 2019




                               PARAÍSO


Tarde, se descobre que o quintal 
em que a gente brincava, 
era o melhor lugar do mundo.
Que tudo de que precisávamos na vida 
para ser feliz, estava ali.
Que todas as outras coisas não se equiparam,
não são como aquelas que estacionaram na memória,
simples, perfeitas. 
Esquecidas de tudo.
O pomar para apanhar fruta no pé.
Os arroios para tomar banho e pescar lambaris. 
Jogar bola até escurecer, caçar sapos, correr à noite atrás
dos vagalumes.

Desconfio que o quintal da casa da minha avó 
em Agudo, era um pedaço do paraíso.
Onde o céu era sempre azul.
E tudo era sempre divertido, até quando capinava com ela.
Eu não parava de tagarelar, e ela se ria alto
das besteiras que eu falava, em alemão.
Como quando ela me disse para eu falar menos
para não me cansar, e respondi, em alemão castiço,
"ach, mutter, du ist beinahe kaputt". 
Passagem, como tantas outras, que eu adorava 
ouvi-la contar, nos anos que se seguiram,
quando voltava lá, 
cada vez mais distante do meu pequeno paraíso.

Ah, que saudade da minha gross-mutter querida,
que com certeza há de estar no verdadeiro Paraíso, 
cuidando das hortas de Nosso Senhor.




A ÚLTIMA FOTO QUE TENHO DELA





                  


Dar um tempo.
Parar para pensar.
Passar as coisas à limpo.
Fechar para balanço.
Eis o que a vida às vezes requer.




quarta-feira, 24 de abril de 2019



                                MALUCO, NÃO






Em síntese, gosto de você 
mas gosto mais de mim.
Da síndrome de Borderline 
estou me tratando.
Bom saber, não sou uma aberração.
Apenas um pouco desajustado.
Fiquei aliviado em saber.
Não me chame mais de maluco, tá bom ?





                   
                           colheita







Sábio é aquele que consegue 
guardar as coisas para si. 
Dar tempo ao tempo. 
Esperar a poeira baixar. 
Para depois fazer o que deve ser feito.
Algo que nunca consegui.
Impulsivo, estouvado, 
cagadas e desafetos colecionei.
Perdi a razão mesmo quando tinha.
Colho o que plantei.
                        

                      obsoletos



Obsoletos, ao longe se divisa.
Prostrados, amargurados, 
Carregam o peso do mundo. 
O próprio fardo.
Dever, senso de responsabilidade.   
Da vida nada mais almejam. 
Nada além das pequenas compensações,
Um remanso ao final da tarde, 
Jogar conversa fora com os poucos amigos.  

Já amaram, sonharam, tiveram posses, 
No entanto, tudo perderam, desperdiçaram.
Fracassaram onde não podiam. 
Viram o flagelo chegar e se aquietaram.
Viram as marchas fúnebres 
E aos sortilégios e fraquezas mundanas sucumbiram. 
E aos poucos, ou de repente, tudo se foi. 
No decorrer de sua vigília de proscritos
Envelheceram, imprestáveis se tornaram.
Um peso para a família, um peso para a Previdência Social. 
Em esquemas consuetudinários vivendo,
O maganão santo se torna.

"O homem é reconhecido por suas ações", 
É o que se diz, porém, com ressalvas.
Quando as palavras valem mais que as ações, 
Os embustes e logros passam batido.
Qual a coisa que, bem urdida, não mente ?
Homens de ação, meros figurantes, 
Inocentes úteis que povoam a terra.  
Homens obsoletos, 
Incompreendidos, 
Desvalorizados em sua modorrenta serventia, 
Vivem a vida dos outros
.




    

terça-feira, 23 de abril de 2019

Id

                                 


                             vago de acalanto






Certamente não haverá nada de perfeito
a ser lembrado.
Nada que não seja dispensável, depois de exaurido. 
Porque já não te amo.
Porque já não me amas.
Um caminho deserto entre duas tumbas
é tudo que restou.
Exânime, vago de acalanto, o coração já nada espera.
Aquela que parte, aviltada.
Aquela que chega, corrompida.

Deusa intemerata, 
um brinde à sua formosura.
Descrente de tudo, 
de ti me embriaguei.
E depois te vomitei.





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