sexta-feira, 23 de agosto de 2019



                  a ilusão de ter sido







Não choro a tua partida.
Despedidas são uma constante na vida.
E a gente não perde o que não tem.
O que não nos pertence.
O que nunca foi nosso.

O que tivemos foi a ilusão de ter sido.
No fim, apenas momentos, 
fragmentos de um todo.
Que se perderam como tudo
o que não tivemos,
o que um para o outro não fomos. 



terça-feira, 20 de agosto de 2019



                     

                     

                              a fila anda





A fila anda, diz a galera, 
partindo para outra
como se troca de roupa.

Relações fluídas, orgásticos fluídos
passam céleres.
Curtir sem culpa é a ordem do dia.

Corpos, amores vem e vão.
Vidas da memória se apagam.
Tudo logo superado, esquecido.

Não sei mais o que sinto,
o que pensar, o que esperar.
Num instante tudo muda, 
mal dá para acompanhar.

De manhã, tem-se uma vida.
De repente, não mais.
No smarthphone, no wats ap,
na mensagem indevida,
a vida dupla se revela.

O tempo voraz as ilusões engole.
Nenhuma certeza, a vida na corda-bamba.
Relacionamentos, empregos,
as insatisfações que afloram.
O encanto logo se quebra.
Paciência, compreensão, logo acabam .
E o frágil amor já era.

A fila anda, 
já há outro à espera.














domingo, 18 de agosto de 2019


                      desconstrução                              






Uma a uma, as coisas se perdem.
Confiança, cumplicidade, amor, quando se vão, 
não se recupera mais.
O fim do amor atormenta.
A separação abala.
Piorar ainda:
a desconstrução
de tudo que foi vivido.
O passado manchado, dilapidado, adulterado.
A culpa e o castigo que cruciam.

Ganhar e perder, perder e ganhar, 
faz parte, é a vida.
Ver tudo sumir,
ah, como machuca, derruba. 
Buscar forças onde não há.
Apelar para tudo que possa ajudar.
Consolo para o quê só o tempo pode amainar.

Não, não é o fim do amor que mais pesa.
Não é a separação que mais incomoda.
Às vezes é inevitável, a melhor solução.
O que fustiga e corrói 
é a dúvida sobre a autenticidade das coisas.
A desconstrução de tudo aquilo que ficou para trás.
O que por tanto tempo pareceu autêntico e inquebrantável, 
pequenas e grandes coisas, uma a uma,
transformadas em indiferença, ressentimento, 
desprezo.
Em pesada, rude desdita.







                         fluido e frívolo






Chega a ser assustador constatar a superficialidade e efemeridade das coisas nesses tempos de modernidade líquida, como bem definiu o filósofo polonês Zigmunt Bauman. Uma época de relações rápidas e fluidas, em que tudo fica para trás e mal dá tempo de assimilar o que se apresenta, acentuando a frivolidade comportamental que afeta os próprios sentimentos mais nobres, como o amor, a amizade, os vínculos familiares.

Como se diz, é impressionante como a fila anda, e cada vez mais gente prescinde do convívio e dos relacionamentos tradicionais, não exatamente por desinteresse ou egoísmo, mas em função dos novos padrões inerentes a esse processo. Mal dá tempo para curtir o momento, tal a alternância e o ritmo acelerado das coisas, daí a impressão de estar tudo passando rápido demais.

Ainda estou aprendendo a lidar com essa fluidez, me adaptar as variações que desafiam meus antigos valores, e sobretudo, essa superficialidade que beira o descaso, o desprezo, a renúncia a compromissos e comprometimentos. Não poder confiar é para mim um preço muito alto à pagar, sejam quais forem as vantagens e facilidades desses tempos em que a transitoriedade das coisas só serve para agravar ainda mais o vazio existencial.

terça-feira, 13 de agosto de 2019






Tudo tem seu preço.
Para tudo há um preço.
Mesmo para o imprestável.
Que são justamente os mais caros.
Passos em falso, escolhas erradas...
Caros, caríssimos. 
Às vezes, o preço de uma vida.


                   

                       fim dos tempos








É fácil constatar. Há coisas extraordinárias acontecendo.
No bom e no mau sentido.Transformações radicais 
e valetudinárias. 
Riqueza e miséria extrema antagonizando.
O homem brincando de Deus.
Deus se fingindo de morto. 
Dando corda.
Franqueando o conhecimento.
Dando corda ao relógio do Apocalipse.

Sinais não faltam. Avisos não faltam. 
Os parvos ignoram. 
Desprezam as evidências, 
ignoram os próprios protocolos de controle. 
Na estúpida crença de que a natureza se regenera. 
Os interesses e a ganância imperam, 
sob os auspícios de governantes obtusos. 

Coisas extraordinárias e absurdas, coabitando. 
Luxo e riqueza como nunca se viu.
Pobreza e desigualdade como nunca se viu.
Livre arbítrio e liberdade como nunca se viu.
Em meio a ignorância e barbárie de sempre.

Mas eis que o homem quer ir à Marte.
Explorar, morar lá. 
Se dispõe a gastar bilhões, 
para ir onde só tem areia, pedra.
Sequer oxigênio há, e o calor, insuportável.
Ao invés de cuidar da Terra.
Talvez porque um dia Marte já foi igual a Terra.
Com água, vida, habitada.
Querem descobrir o que aconteceu,
quando a resposta está aqui mesmo.
O homem brinca de Deus, achando que tem tudo
sob controle.
Deus se faz de morto, 
enquanto o diabo toma conta.

Não é difícil antever o cenário que se avizinha.
Matéria para a crônica do fim dos tempos.  














  


  









domingo, 11 de agosto de 2019




da série, minha vida virou uma piada.


Dia dos pais, vou buscar meu filho para passar o dia comigo.
O presente, me surpreende : uma garrafa de Desejo, um de meus vinhos preferidos.
"A mãe disse que é seu vinho predileto", diz ele, enquanto eu viajo, poxa, a primeira vez em um ano e meio que ela se mostra amistosa.
Bom sinal, penso, e de tão alegre, resolvo abrir a garrafa hoje mesmo, para acompanhar o caprichado fettucine ao molho de camarão. 
Mas ao retirar o lacre, noto que a rolha está borrada de vinho, o que costuma acontecer quando a garrafa fica muito tempo na horizontal, e de fato, ela esfarela toda ao giro do saca-rolha. Comento com ele : filho, se o vinho azedou, vai ter que levar a garrafa de volta para ela trocar onde comprou.
"Ih, pai, não vai dar".
"Como assim, não vai dar, esse vinho é caro, não dá para perder assim de bobeira".
"Sabe o que é, pai. Você não deve lembrar, mas esse vinho é do seu tempo, que você esqueceu de levar quando saiu de casa".
"Quer dizer que você me presenteou com um vinho que já era meu?'
"É, pai, foi a mãe que mandou."
Menos mal que o vinho não azedou. Nem estava envenenado ...











  

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