quinta-feira, 31 de outubro de 2019





            O MARASMO EXISTENCIAL






Há coisas que duram quase uma eternidade. 
Outras, acabam no nascedouro.
Boas ou ruins, tanto uma como outra
tem data de validade.
Quando muito, algum elo fica.
De resiliência ou conveniência.
No bojo de tudo, o grotesco desfile 
de falsas virtudes.
A hipocrisia como pano de fundo.

A suposição de que o amor a tudo
supera 
é tão falsa quanto a ideia 
de que há valores incorruptíveis. 
Todos tem seu preço, e às vezes esse preço 
é bem menor do que imaginamos.
Como se sabe, o cotidiano é um massacre, 
e o véu que cobre a nudez moral 
não engana ninguém.
O acaso desarticula qualquer esperança
no sentido de consertar as coisas.
O abismo pode ser tanto o habitat
natural em que vivemos,
como entre as pernas de alguém
que desejamos.

O final é sempre o mesmo,
um contínuo retorno ao marasmo existencial.
A liberdade é intrinsecamente trágica.




(Adap. de ensaio de Luís Felipe Pondé)






                               
                       SERES VIRTUAIS



São tempos confusos, de valores difusos,
claustrofóbicos.
Na vida imensurável, o infausto, a morte 
sem aviso prévio.
No mundo errado sem conserto,
"a secular injustiça não se resolve."

O tempo flui, impiedoso.
Tanta coisa à fazer e nada se faz
que não implique em concessões, desencanto.
Tempos de mentiras, crueldade, putaria.
Difícil passar incólume, não se corromper. 
Resistir a tantos apelos.

Foi-se a vidinha simples e pacata,
o porto seguro da família, não obstante
o amor também se corromper,
na esteira dos frívolos valores vigentes.
Foi-se a gente confiável.
A vida honesta, decente.
Tudo metamorfoseado, atrelado à grotesca farsa 
ensejada pela revolução tecnológica,
à ditadura nefasta dos meios de comunicação.
Na qual somos condicionados, cooptados,
compelidos a ser 
mais seres virtuais do que reais. 







quarta-feira, 30 de outubro de 2019





                            utopias





fui semeando pela vida
as utopias de meus sonhos.
como era de esperar, 
salvo raras exceções, 
só colhi decepções.

não sei o que sobrou,
não sei no que me tornei,
não sei o que esperar.
só sei que nada mais quero ter
que não seja verdadeiro,
que não seja como um renascer 
sem pena nem dor.

de tal modo que,
quando da vida não restar
senão uma pálida e bruxuleante luz,
não lembrem de mim com desdouro,
como um estorvo.
Se possível, a última das utopias, 
de nada que não tenha sido digno.
e já me darei por feliz.









                  vida que segue


Não, moça,
não sinto raiva, frustração.
Muito menos, que tenha feito 
papel de otário.
Desde o princípio, sabia onde estava 
me metendo.
Com quem estava lidando.
Paguei o preço.
Valeu cada centavo.
E vida que segue.





 

domingo, 27 de outubro de 2019



                               a sabedoria das crianças

(para meu filho, Breno)


É preciso ser humano para aprender
a colher da mesma árvore, amor e desengano.
De rompantes e loucuras ser íntimo.
Posto que o caminho da sabedoria 
é o descaminho.
Aprender às avessas, de trás para frente.
Apanhando, perdendo, caindo.
Pois o que está em jogo 
o é a verdade,
mas o indivisível nada
que corrói a existência.

Se já não estás na antiga morada,
se da antiga vida não resta mais do que 
laços desfeitos e despojos,
remova os cadáveres dos sonhos, irmão.
Persegue outra presa, animal.
Depõe a bagagem, abraça a imensa vida.
A delimitação prévia dos espaços, abdique.
Cada dia é um novo dia,
um renascimento.
Chega o momento de deixar de ser aprendiz,
expectador.

E nessa nova dimensão, 
na juventude ou na velhice,
dispense a palavra tosca.
Deixe, simplesmente,
que a sabedoria das crianças
resgate 
o que a vida suprimiu.







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